O governo bem que tentou preparar os ânimos, com os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, alardeando sobre cortes de gastos, mas não há como fugir da realidade: as contas públicas vão de mal a pior. Se os cálculos dos especialistas estiverem corretos, o Tesouro Nacional informará hoje que o governo central encerrou agosto com rombo entre R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões, buraco maior que os R$ 7,2 bilhões computados em julho, que já haviam provocado calafrios no mercado.
O deficit, segundo o economista-chefe do Banco Santander, Maurício Molan, será resultado do mau desempenho da arrecadação, que registrou queda real de 9,3% ante agosto de 2014. Com a economia afundando na recessão, caiu, drasticamente, o recolhimento de tributos vinculados à produção. Há ainda a dificuldade do governo em reduzir despesas, diante da gastança contratada no primeiro mandato de Dilma Rousseff, e a incapacidade para gerar receitas extraordinárias que, em vários momentos, salvaram o Tesouro do vexame.
Pelas contas de Molan, o rombo do governo central foi de R$ 8,4 bilhões, o que levará o buraco cavado em agosto por todo o setor público (União, estados e municípios) a R$ 9,9 bilhões – o dado oficial será anunciado amanhã pelo Banco Central. Somente esses números já seriam suficientes para uma gritaria geral dos investidores ante a incapacidade do governo de conter a deterioração fiscal. Mas o BC deve mostrar que o deficit nominal, que inclui os gastos com juros, atingiu 9,36% do Produto Interno Bruto (PIB). Já a dívida bruta, que as agências de classificação de risco dizem estar em trajetória explosiva, pode cravar 65,5% do PIB.
Desconfiança
Na avaliação de Raul Velloso, especialista em finanças públicas, o ajuste fiscal prometido pelo governo tornou-se uma miragem. Olhando para os números acumulados nos 12 meses terminados em julho, já era possível dizer que a meta de superavit primário de 0,15% do PIB prometida por Levy para este ano não seria cumprida. Com as projeções do mercado para agosto, o ceticismo aumentou. “Para que o governo entregue a meta, será necessário um arrocho em todos os gastos ou que as receitas aumentem muito. Não vemos nada disso acontecendo”, frisa.
Para sustentar sua desconfiança em relação à capacidade do governo de cumprir a meta fiscal, Velloso faz uma série de comparações — e todas mostram a piora das contas públicas. Em 2003, quando exerceu o cargo de secretário do Tesouro, Joaquim Levy conseguiu que as despesas computassem queda real de 2,3%. As receitas, por sua vez, cresceram 4,4% acima da inflação. Já como ministro da Fazenda, ele anunciou, em maio deste ano, contingenciamento de gastos de R$ 69,9 bilhões para entregar a meta de 1,1% do PIB. Para isso, teria que haver retração de 1,2% nas despesas e alta de 5,5% na arrecadação. Não demorou muito a se frustrar. Com o caixa federal em frangalhos, foi obrigado a reduzir a meta de superavit para 0,15% do PIB, com estimativas de despesas 1,6% menores ante 2014 e receitas 0,6% maiores.
O quadro atual mostra, porém, as despesas com aumento real de 4,6% nos 12 meses terminados em julho e as receitas, com retração de 4,9%. Ou seja, nem os gastos nem a arrecadação estão na direção prometida por Levy, e não há perspectivas de que haja mudança de rota nos próximos meses. Agosto, pelas projeções dos analistas, foi péssimo em todos os sentidos. Setembro não será diferente, com o agravante de que está sendo paga parte da primeira parcela do 13º salário de aposentados e pensionistas que o ministro da Fazenda quis adiar, mas foi derrotado.
Gogó desafinado
A orientação na equipe de Levy é para manter o discurso positivo. Mas os técnicos da Fazenda já têm pronta a minuta do projeto que deverá ser encaminhado ao Congresso nos próximos meses, com o governo admitindo que a meta de superavit de 0,15% do PIB não será cumprida e, muito provavelmente, o rombo será maior do que os R$ 17,7 bilhões previstos no caso de desconto dos gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
É essa a razão de todo o nervosismo do mercado. Por mais que Levy e Barbosa garantam que a situação está sob controle, que tudo está sendo feito para entregar o que foi prometido, ninguém acredita mais no que os ministros dizem. Esse negócio de querer segurar a situação no gogó não funciona mais, sobretudo quando se tem a certeza de que as contas públicas foram destruídas e nada do que poderia ser feito para recuperar a saúde delas se tornou realidade.
Levy, que chegou ao governo todo poderoso, já carrega sobre os ombros a perda de grau de investimento do país pela Standard & Poor’s (S&P) e pode acrescentar no currículo o rebaixamento de mais uma agência de risco. Ontem, a Fitch Ratings nem precisou ser explícita em relação ao tema para empurrar o dólar até só R$ 4,11.
Crise só vai aumentar
» A presidente Dilma Rousseff desembarca hoje no Brasil. Gente séria de dentro do governo acredita que a crise que ela deixou rumo aos Estados Unidos ficará maior nos próximos dias. Não há garantia de que o Congresso manterá os vetos que ainda faltam ser votados, especialmente o que trata do reajuste do Judiciário, e o Tribunal de Contas da União (TCU) está construindo o consenso para recomendar a rejeição das contas da petista por causa das pedaladas fiscais.
Indústria no chão
» Os dados ruins da economia não param de se avolumar. Na sexta-feira, será a vez de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciar mais uma queda na produção industrial. Há projeções apontando para retração entre 1,2% e 2% em agosto ante o mês anterior.
Brasília, 00h01min