BRISA NO DESERTO

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O cacife do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, aumentou muito no Palácio do Planalto desde a manhã de ontem. Até bem pouco tempo ameaçado de perder o status de ministro, o que o levaria a se subordinar a Joaquim Levy, o chefe da autoridade monetária foi tratado como herói no entorno da presidente Dilma Rousseff tão logo o mercado financeiro fechou. Tombini teve papel preponderante para que o dólar caísse abaixo de R$ 4.

Na avaliação do governo, depois de dias de grande tormenta, será possível uma noite de paz. O dólar acima de R$ 4 é visto no Planalto como o maior símbolo de derrota de Dilma. É um sinal claro de que a presidente perdeu toda a capacidade de convencer os agentes econômicos de que ainda é possível salvar o país. Por mais que a maioria da população não tenha a exata noção do que representa a disparada da moeda norte-americana, o alarde feito em torno do tema acaba espalhando o medo, a certeza de que a situação está saindo do controle.

Mas como bem definiu um ministro, o que se viu ontem foi apenas uma brisa soprando no meio de um deserto do qual não se sabe o caminho. Conseguiu-se desligar o sinal de pânico dos mercados, mas a guerra está longe de acabar. O quadro da economia brasileira é dramático e a desconfiança em relação a Dilma é gigante. Como ninguém acredita na petista e o ministro da Fazenda já é visto com ressalvas pelos investidores, foi preciso que o presidente do BC quebrasse o protocolo e anunciasse, fora dos documentos oficiais do Comitê de Política Monetária (Copom), que os juros vão continuar em 14,25% por um “tempo suficientemente prolongado”. E que, se preciso for, a instituição lançará mão de reservas internacionais para derrubar o dólar.

Mais, do que as palavras enfáticas de Tombini, o que o mercado queria era uma direção. Entre os investidores, são imensas as queixas sobre ao vaivém do governo. Desde que começou o segundo mandato, Dilma mostrou várias facetas. A primeira delas agradou, por indicar que a presidente havia se rendido à ortodoxia e estava disposta a fazer um ajuste fiscal consistente. Aos poucos, porém, foram se evidenciando as contradições e, pior, o renascimento da chefe do Executivo que tentou implantar a nova matriz econômica nos últimos quatro anos, um desastre sem precedentes em mais de um quarto de século.

As dúvidas em relação ao governo são muitas. O que Tombini conseguiu foi conter os excessos do mercado. Contudo, nada impede que, depois de uma noite bem-dormida, os investidores retomem o ataque especulativo ao qual submeteram o real desde a última segunda-feira. Não se sabe para onde vai o ajuste fiscal. O governo insiste que entregará o minguado superavit primário de 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, mas, a cada dia, surgem mais dificuldades para o equilíbrio das contas públicas. Boa parte das receitas extraordinárias esperadas para 2015 estão virando pó. E, para o próximo ano, o buraco que se vê é muito mais profundo.

Há, ainda, a questão dos vetos presidenciais que estão sob análise do Congresso. É verdade que o governo conseguiu uma vitória parcial mantendo, por exemplo, o fator previdenciário, que resultaram em uma boa economia aos cofres da Previdência Social. Mas fantasmas como o reajuste do Judiciário se mantêm presentes. Por isso, em vez de comemorar o recuo do dólar ontem, o governo deveria trabalhar para garantir que os parlamentares não aproveitem a brisa soprada por Tombini para pregar sustos que podem piorar o que já está muito ruim.

Congelamento

Na economia real, o estrago do ataque especulativo já está feito. O dólar acima de R$ 4 e a disparada dos juros fizeram com que o mercado de crédito praticamente congelasse, principalmente para as empresas que têm dívidas no exterior. Os bancos engavetaram todos os pedidos de empréstimos, temendo uma onda de calote e quebradeira. Somente desde junho, os débitos de um grupo de 110 companhias, incluindo a Petrobras, aumentaram quase R$ 160 bilhões.

Segundo o executivo de um grande banco, nas últimas semanas, quando a crise política e econômica se multiplicou, as liberações de recursos caíram para 20% do nível considerado normal. As instituições financeiras também passaram a exigir mais garantias das companhias. “O horizonte escureceu por completo, com chuvas e trovoadas”, diz. “Quando se chega a esse ponto, é melhor botar o pé no freio do que ser obrigado a lançar créditos de difícil liquidação nos balanços, o que arranha a nossa imagem no mercado”, acrescenta.

Pelos cálculos do BC, até agosto, o sistema financeiro deu como perdidos R$ 96,2 bilhões. Essa montanha de dinheiro representa 59,4% do total das provisões feitas pelos bancos para cobrir calotes. A tendência é de que tanto as perdas quanto as reservas para cobrir eventuais prejuízos aumentem nos próximos meses. A percepção de que as coisas estão ruins vão se traduzir, nos próximos meses, em muito sofrimento real, a começar pelo fechamento de empresas e demissões em massa de trabalhadores.

Tombini, ao agir ontem, tentou evitar – ou minimizar – esse quadro de colapso. Mas, mesmo sentado sob reservas internacionais de US$ 370 bilhões, o poder de fogo é limitado. A capacidade de estrago do Planalto é muito, mas muito maior.

Chacota com Levy

No Planalto, não se perde a oportunidade de se fazer chacota com o ministro da Fazenda. Ontem, os gaiatos diziam que mais valia um Tombini na mão do que mil Levys voando. Muitos consideram que o chefe da equipe econômica falou tanto, que poucos já lhe dão ouvidos.

Dilma foi, mas crise continua

A presidente Dilma Rousseff viajou para os Estados Unidos, mas não levou a crise com ela. As articulações para encurtar o mandato da petista continuam a todo vapor. Mesmo entre os chamados aliados, a conspiração é forte. Não há reforma ministerial que dê jeito nisso.

Brasília, 00h25min

Vicente Nunes