A estimativa é de que mais de 100 mil cidadãos oriundos do Brasil morem irregularmente em Portugal. Muitos estão há pelo menos dois anos à espera de atendimento do SEF. Sem a autorização de residência, pedida por meio de um instrumento chamado de manifestação de interesse, esses brasileiros não podem obter empregos formais, abrir contas em bancos nem alugar imóveis. A sobrevivência vem do subemprego, com salários baixíssimos.
A expectativa dos brasileiros é de que a imigração seja um dos temas principais da Cúpula entre Brasil e Portugal, marcada para abril. Lula já foi alertado de que há cidadãos que migraram para o país europeu em busca de melhores condições de vida, mas que acabaram se frustrando. Vários não têm onde morar e passam fome. Somente em janeiro deste ano, 1.050 pediram ajuda à Organização Internacional para Migrações (OIM) para retornar ao Brasil.
Desamparo
Responsável por elaborar um dossiê para o Senado sobre a realidade dos brasileiros em terras lusitanas, o senador Chico Rodrigues (PSB-RR) percorreu os três principais centros de Portugal — Lisboa, Porto e Faro. “E a constatação foi preocupante: há milhares de cidadãos passando necessidade”, diz. “Muitos foram enganados por notícias falsas, disseminadas pela internet, mostrando Portugal como o eldorado, terra de oportunidades. Mas a realidade cruel, e muitos estão desamparados”, acrescenta.
Os levantamentos realizados pelos três consulados e pela embaixada do Brasil em Portugal apontam que parcela importante dos mais de 100 mil brasileiros indocumentados entrou em território luso como turista e, expirado o prazo de 90 dias, renovável por mais 90, permaneceu no país. Agora, eles lutam pela regularização. A burocracia do SEF, porém, impede que o problema se resolva.
A expectativa dos brasileiros indocumentados é de que Lula repita o feito conquistado em seu primeiro mandato, quando conseguiu fechar um acordo com o governo português para a legalização daqueles que viviam ilegalmente em Portugal até 2003. As projeções são de que cerca de 30 mil cidadãos conseguiram se regularizar. Foi o caso de Carlos Viana. “Vivia em Portugal havia anos, mas só depois do acordo entre os dois países pude me regularizar. Se a burocracia não atrapalhar, uma nova negociação nesse sentido pode avançar”, destaca.
Estudantes
A agenda da Cúpula deve envolver, ainda, acordos de reciprocidade entre estudantes brasileiros e portugueses. Apesar de vários pontos nesse sentido estarem em vigor, pouco se cumpre por descaso do governo de Portugal. “Somente em Coimbra são mais de 3,5 mil estudantes brasileiros. Em Faro, há 1,5 mil”, afirma o senador. As reclamações se estendem em relação à equivalência de notas e diplomas. “Nesses casos, são mais de 5 mil estudantes de nível médio e superior”, acrescenta. “Tem, ainda, a questão da bitributação que recai, principalmente, sobre aposentados brasileiros que decidiram morar em Portugal”, acrescenta.
Parte do descaso português com essas questões decorre da péssima relação do país com o Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro. Ele foi o único presidente eleito no regime democrático que não visitou Portugal. Quando Lula venceu a mais recente eleição, tanto o presidente, Marcelo Rebelo de Souza, que foi destratado duas vezes por Bolsonaro, quanto o primeiro-ministro, António Costa, fizeram questão de dizer que estavam felizes com a volta do Brasil ao cenário internacional. Antes mesmo de tomar posse, o petista visitou Portugal, quando ficou acertada a reuniu de cúpula entre os dois países.