POR ANA DUBEUX, ANTONIO TEMÓTEO E ALESSANDRA AZEVEDO
Marcelo Caetano, 46 anos, diz não buscar popularidade. Ainda bem, porque a chance de frustração seria grande. Secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, é o principal responsável por defender a reforma que tornará a aposentadoria do brasileiro mais distante e mais minguada. Ele mesmo não escapará.
O secretário explica, em entrevista ao Correio, que a reforma não prejudicará os mais pobres. E que é a única alternativa para controlar as despesas públicas. Só assim se evitará que os gastos previdenciários tomem todo recurso livre do Orçamento da União, excluída a folha salarial. Isso impediria investimento e custeio da máquina.
Caetano tem duas décadas de experiência com o tema. Atuou nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma. Ele torce para que a proposta seja aprovada no Congresso Nacional até o meio do ano que vem, sem muitas modificações. O objetivo das mudanças é “estabilizar um pouco o nível da despesa”, entre 8% e 9% do Produto Interno Bruto (PIB).
O secretário acredita que a resistência da sociedade à reforma será superada. Compara ao que houve, no passado, com a restrição ao cigarro em lugares públicos e com a obrigatoriedade do uso do cinco de segurança nos carros. As duas mudanças foram muito criticadas, mas acabaram aceitas. E hoje são vistas com naturalidade.
O senhor está no olho de um furacão de um tema polêmico e delicado. Como se sente? Está preparado para isso?
Eu me sinto bem. Eu acho que é um desafio interessante. São oportunidades raras na vida de alguém, que aparecem. Quando fui convidado, claro que sabia que era para chefiar uma equipe que ia reformar a Previdência e a gente já havia passado, nesses anos, por várias reformas, que foram importantes, deram passo na direção correta, mas não foram suficientes. Vi a oportunidade de ter uma boa equipe técnica trabalhando comigo, que teria capacidade de fazer uma reforma duradoura, não uma que, quando chegasse em 2019, fosse necessário fazer outra. Foi um trabalho interessante, que juntou o técnico com o político. Deu para ver que foi uma proposta política, mas tecnicamente embasada. No Congresso, que é o palco do diálogo social, o debate vai ficar mais intenso. Mas que seja feito de uma forma bem racional e que a gente consiga conservar o espírito da reforma proposta.
A reforma tem sido criticada em alguma medida por, segundo alguns especialistas e pessoas, penalizar os mais pobres. Isso de fato ocorre ou não?
Quando vai se propor qualquer reforma, vai ter muita crítica, para tudo quanto é lado. Pega um exemplo. Quando eu era mais jovem, não precisava usar cinto de segurança no banco da frente. E eu me lembro que foi uma discussão enorme, que, de repente, botar o cinto poderia até prejudicar a pessoa, ela ficar presa, enfim. Se para uma coisa mais simples como essa, ou mesmo fumar em avião, que era permitido, já houve discussão enorme, imagine quando vai fazer uma proposta da Previdência. Veja a discussão toda que está ocorrendo se vai cobrar para despachar a bagagem ou não. Se isso já gera tanta manchete, como vou achar que fazer uma reforma da Previdência não vai gerar um debate? Claro que vai. Estamos propondo uma reforma que procura o máximo possível harmonizar as regras, unificar as regras, não só de servidores, entre homens e mulheres e alguns grupos. O espírito geral da reforma é esse. E o que acontece é que justamente essas pessoas mais pobres se aposentam hoje aos 65 anos de idade. É uma idade que já existe, para aposentadorias. Tudo bem que não vale para mulheres, mas, para os homens, já é de 65 anos. Outro fator é que a gente manteve o piso da aposentadoria no salário-mínimo. Então, não me parece razoável esse tipo de consideração de que se está penalizando os mais pobres.
Mas ele vai ter que contribuir por mais tempo…
Mas, veja, a gente está unificando. Tem dois benefícios programados. Tem aposentadoria por idade e tem aposentadoria por tempo de contribuição. E a gente está juntando tudo em um benefício só, que seria uma nova aposentadoria por idade. Se for ver, em relação à aposentadoria por tempo de contribuição, que são 35 anos para homem e 30 para mulher, mas sem o limite de idade, isso está deixando de existir e entra para o limite de 25 anos de tempo de contribuição. Se for imaginar, 65 anos de idade, a pessoa começa a trabalhar ali na faixa dos 20 e alguma coisa, a gente está imaginando que é metade do tempo de vida laboral da pessoa com uma regra permanente que ela precisaria contribuir para ter direito ao benefício. Não me parece uma coisa absurda propor 25 anos de tempo de contribuição.
Isso penaliza quem começou a trabalhar mais cedo…
A fórmula de cálculo do benefício faz esse ajuste. O que acontece? A gente está propondo a fórmula de cálculo que é aquele 51% mais um ponto percentual. Se aquela pessoa contribuiu por período maior, vai ter benefício maior. Se ficou entrando e saindo do mercado de trabalho, coloca mais ou menos metade do tempo, contribuindo dos 18 aos 65, ela vai ter um benefício ajustável a isso. De todo jeito, esses ajustes, de ficar maior ou menor, a gente está tendo o piso de salário-mínimo. Então, as pessoas que estão com nível salarial mais baixo ficam no salário-mínimo, não têm redutor do salário-mínimo. Estou falando no referente às aposentadorias, não às pensões.
Isso não foi discutido? Desvincular a aposentadoria também, como foi feito com a pensão por morte?
Bem, o que acontece é que a aposentadoria tem um caráter de reposição de renda. Então, a gente interpreta isso como algo que deve permanecer. A pensão, não. Ela serve mais como seguro, mas a aposentadoria tem caráter de reposição de renda. Então, a gente achou razoável manter o salário mínimo.
Quando você anunciou a proposta, falou em uma economia de R$ 678 bilhões apenas no INSS…
No fundo, temos que tomar cuidado. Isso é o total que vai se acumular em 10 anos de reforma. Com 2017, naturalmente, a gente não está contando. Quer dizer, está contando que se aprove ao longo do ano, se for aprovada entre o fim do primeiro semestre e o início do segundo, será uma boa época para isso ocorrer. Mas, enfim, não estamos contando com economias da reforma já a partir de 2017. Em 2018, sim, com valor mais baixo. E esse valor vai crescendo ao longo do tempo.
Vocês fizeram projeções para fluxo de caixa disso?
Sim. Isso, no fundo, é um resultado de fluxo, não resultado da soma. A soma é resultado dos fluxos, tem projeção de fluxos. No início, a reforma tem impacto que não é tão forte. Então, no primeiro ano, 2018, serão R$ 5 bilhões de redução de gastos. E o valor vai aumentando ao longo do tempo. A mudança da fórmula de cálculo do benefício vai ter efeito mais lá para a frente. No início, não. Porque, se você for comparar a forma de cálculo de benefício que existe hoje com o que nós estamos propondo, o que acontece é que hoje as pessoas estão se aposentando pelo fator previdenciário ou pela 85/95, que vai subindo para 90/100. Então, se você for ver, alguém que ia se aposentar com 35 anos de contribuição vai ter, na nossa proposta, uma reposição de 86%, enquanto, se pegar pelo fator previdenciário, essa pessoa teria reposição na faixa de 70%. Então, estará se aposentando com benefício até maior.
E os servidores? Tem se falado que as regras são mais duras para o trabalhador da iniciativa privada do que para o servidor público…
Eu não sei de onde tiraram isso. É o seguinte: a gente tem um regime totalmente diferenciado. Tem diferenças entre servidor e não servidor, tem diferença de homem e mulher, entre outras. Então, estou usando pontos de partida completamente distintos. Não posso jogar todo mundo na mesma regra de transição. Por exemplo, se eu pegar a regra atual do jeito que está, sem mudanças, eu tenho ainda direito a paridade, integralidade, porque ingressei no serviço público antes de 1998. Pelas regras atuais, mantenho isso. Mas perco quando faço as novas regras, porque tenho menos de 50 anos. Entro na regra permanente. As pessoas não veem isso. Não tem jeito. Como você tem vários pontos de partida distintos, não vai conseguir fazer uma regra de transição que seja igual para todo mundo, porque, se fizer isso, você, para trás, está tratando de modo diferenciado.
Então mesmo quem ingressou antes de 1998 e tem menos de 50 anos, no caso de homens, e 45, mulheres, vai perder?
Sim, entra na regra nova. As regras de transição existem só para quem está com 50 ou mais, 45 ou mais.
A reforma da Previdência teve a sua admissibilidade aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados. É quase uma trégua agora. Mas daqui a pouco a discussão volta com tudo?
Mais ou menos. Claro que lá para a frente, vai ampliar. Mas você vê a quantidade de coisas que eu estou participando, já indica o caminho que está tomando. É muito difícil imaginar que as pessoas vão ter conhecimento detalhado da Previdência. Eu mesmo, tem muita coisa que eu ainda aprendo. E mesmo nós, que trabalhamos há muito tempo na área, às vezes há algumas coisas sobre as quais a gente se questiona. O que acontece é o seguinte: vai ter uma noção geral, sobre quais vão ser as novas regras e quais são as transições. Com o tempo, as pessoas vão entendendo e se acostumando, e a coisa vai se acalmar.
Existe deficit na Previdência?
Tem um deficit da Previdência Social e tem um deficit da seguridade social. Esse número que a gente está divulgando, que no ano passado bateu na faixa de R$ 86 bilhões, este ano deve ficar na faixa de R$ 150 bilhões e ano que vem, na faixa de R$ 180 bilhões; esses números se referem especificamente ao deficit do RGPS (Regime Próprio de Previdência Social). O que a gente está considerando nesse deficit? O que as pessoas recolhem ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Além dessa contribuição, tem a contrapartida do seu patrão. Pegando o deficit do INSS, estou considerando isso, o que arrecadou e o que gastou. E outro conceito que existe é do orçamento da seguridade social. Aí entra também saúde e assistência social, por exemplo, o BPC (Benefício de Prestação Continuada) da Loas (Lei Orgânica de Assistência Social). Todo o gasto com saúde, Bolsa Família, abono salarial está no orçamento da seguridade, não da Previdência. Claro que, quando considera o orçamento da seguridade social, quando pega o lado da receita, não pega somente a receita do INSS. O Ministério do Planejamento disse que tem deficit de R$ 243 bilhões acumulado até outubro. Esse é o número oficial.
Com essa reforma, o deficit vai acabar?
Não, não acaba. O que a gente consegue fazer, por meio dessa reforma, é conseguir estabilizar um pouco o nível da despesa. Estabilizaria na faixa de 8%, alguma coisa gravitando entre 8 e 9% do PIB. Se a despesa se estabilizar, o deficit também se estabilizaria na faixa de 1,5% a 2% do PIB, por aí, imagino como uma tendência.
Quanto às pensões. Há um desconhecimento da população sobre o que é garantia de renda e o que é seguro. É preciso que o brasileiro comece a entender isso?
Se você for imaginar que todo mundo que for receber aposentadoria tem que ser especialista em Previdência, desiste. O ponto é o seguinte: isso é um argumento mais técnico, do ponto de vista jurídico.
Você é candidato a ser vilão. Está preparado para isso?
Isso não é o problema, o problema é quando começa a inventar história. Quem vem com objetivo de fazer uma reforma não vem com objetivo de ser pop. Eu não vou me candidatar a nada, não tenho nenhuma ambição política. Eu não estou querendo que as pessoas gostem de mim, quero que as pessoas acreditem em mim. É isso. O importante é não fugir da raia, encarar e dar uma resposta técnica. No fundo, isso deve ser a perspectiva de qualquer um que venha tentar enfrentar uma reforma da Previdência. Não busco popularidade, mas a credibilidade. As pessoas podem não gostar de você, mas têm que acreditar em você.
Essas críticas todas vêm de onde? É oposição ao governo ou o brasileiro está irritado com a cena política?
Em qualquer lugar do mundo quando aparece reforma da Previdência tem resistências políticas em relação a isso. Para ter uma ideia, existem casos bem peculiares. Essa reação é normal. Por isso que quem está tocando a reforma não deve ter a busca da popularidade como meta, mas credibilidade. É um exercício. Eu também não apareci aqui do nada, tenho uma história. Já estava bem antes trabalhando com esse assunto, a gente trabalha há mais tempo, forma as convicções, tenta convencer as pessoas. Às vezes consegue, às vezes, não. Mas faz parte. Não formei a convicção agora, tenho 20 anos trabalhando nesse assunto. Agora, se convencerei ou não as pessoas, não sei.
É preciso muita paciência né? Acompanha charges e memes? Como se sente? É do jogo?
As pessoas têm que ter a liberdade de se manifestar. Bem ou mal, a perspectiva que eu vejo é que as pessoas passaram a prestar mais atenção nesse assunto. Alguns conhecidos meus falam “poxa, mas vocês conseguiram colocar essa discussão na rua”. Eles veem as pessoas discutindo. Não vejo a possibilidade de não ter reforma, porque há um gasto que vai crescer muito. Pode até ser que a reforma não seja agora. Torço para que ela seja aprovada. Mas, se a gente não fizer nada agora, quando chegarmos em 2019, vai ter uma outra pessoa aqui que vocês estarão entrevistando e, provavelmente, ela vai falar coisas muito parecidas. Não tem muito o que fazer.
O país pecou por não ter feito essas discussões antes? A gente não tinha maturidade pra isso?
A gente prorrogou a discussão. Foram feitas reformas importantes antes pelos três governos anteriores. O governo FHC fez, Lula fez, Dilma fez. Dilma teve uma tentativa de alteração da pensão por morte. Não conseguiu, mas foi uma boa tentativa, mas teve o Funpresp. Na onda do Funpresp, outros estados também fizeram. Criou-se uma cultura importante. No governo Lula, teve harmonização não completa do serviço público com o INSS. No FHC, também foram feitas reformas importantes. Todos deram passos na direção correta, mas foram insuficientes. E agora é preciso fazer outras reformas.
Se tivesse sido feita essa mesma proposta em um governo muito popular, como o do primeiro mandato de Lula, teria tido a mesma reação?
Teria, sim.
E qual é chance de não passar?
Não estou trabalhando com essa hipótese. Agora, quando chegar o ano que vem e a volta do recesso, o debate vai ficar maior (no Congresso Nacional). O que tem que ficar claro é o seguinte: se começar a mudar muito (a proposta), perde consistência.
A idade mínima de 65 anos é cláusula pétrea? Há outro ponto fundamental na reforma?
Tem que ter uma consistência interna. Coisas que vieram a ser alteradas, qual o objetivo? Se só começar a reforma tirando fulano e ciclano, vamos perder um dos objetivos, que é a equidade. E, para ela ter uma consistência, temos que dar uma sustentabilidade pelo menos de algumas décadas. Se mudar muito aqui ou ali, podemos a voltar a ter discussões. Há princípios que não dá para perder. Idade mínima é a mudança mais relevante que a gente está fazendo.
Em dado momento a pressão vai ser grande. Você espera que o governo resista a isso?
Vamos ter que esperar o tempo dizer o que vai acontecer. É muito dinâmico. Independe de mim, independe de tanta coisa. Cada dia tem uma novidade.
A gente estava fazendo umas contas, de sete em cada 10 pessoas serão afetadas pela proposta. É isso mesmo?
Todo mundo vai ser afetado. Bem ou mal vai entrar na regra permanente ou na de transição.
Sobre a questão dos policiais militares. Qual a justificativa oficial para ficarem de fora?
Foi uma decisão de nível superior e me comunicaram a respeito disso. Policial que ficou de fora foi militar e bombeiro, os do artigo 42. Os policiais não militares federal e rodoviário entraram. Não tem chance de serem excluídos. O que vai acontecer daqui pra frente tem que ser na Comissão Especial da PEC e eles tem que tentar ver lá.
Tem previsão de quando será feita a reforma específica das Forças Armadas?
Isso vai ficar por conta do Ministério da Defesa.
A crise política pode influenciar muito a reforma e atrasar o processo?
O Congresso tem a soberania para definir a velocidade, o que se altera e o que não se altera. Em qualquer época que a gente estiver vivendo vai ter alguma coisa acontecendo internamente ou externamente, muito boa ou ruim. E aí essas coisas podem servir de justificativa para não fazer a reforma e pensar assim que nunca vai ter. Mesmo em um momento que está bom, alguém fala que não precisa. Aí, quando está ruim, fala que não dá para fazer.
E qual o risco que se corre de não fazer a reforma agora?
Representa que vai ter que fazer uma reforma bem mais radical no futuro. Se não fizermos a reforma agora, uma mais dura será sugerida mais para a frente. Não tem mais como fugir.
Mesmo com essa reforma, por quanto tempo não será preciso fazer outra?
Acredito que algumas décadas. Mais de duas décadas não vai ser preciso, com a proposta do jeito que está. Mas temos que ver o que vai acontecer.
Brasília, 18h52min