Nem mesmo os mais otimistas concordam com o ministro quando ele insiste em afirmar que a economia “já está se recuperando em V” no terceiro trimestre. O impulso de alguns indicadores antecedentes deste trimestre não é sustentável. Além disso, a base de comparação está muito baixa, o que atrapalha qualquer leitura de tendência. Logo, há grande chance de essa subida que está sendo vista agora ser um mero “voo de galinha”, ou seja, uma alta que não vai se manter por muito tempo.
“Os números da indústria de julho são melhores, mas o problema continua sendo a queda dramática dos serviços, que sentem o maior impacto da crise. Os serviços têm peso grande no PIB e respondem pela maior parcela do emprego. As pessoas não estão voltando aos velhos hábitos de consumo pré-covid e, por isso, não é possível prever uma retomada em V”, diz o economista Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial. Para ele, em vez de um movimento em V, veremos uma curva parecida com a forma de uma raiz quadrada.
Níveis pré-crise só no fim de 2022
O tombo de 9,7% do PIB no segundo trimestre de 2020 em comparação com os três meses imediatamente anteriores foi pior do que a mediana das estimativas do mercado, e a queda foi a maior da história desde 1980. Nem mesmo as afirmações de Guedes de que a economia estava decolando antes do “meteoro” do coronavírus são críveis. Basta olhar os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Após a recessão de 2015 e 2016, o PIB não teve força para crescer, continuou rodando em um ritmo de 1% ao longo dos quatro trimestres de 2019.
Por isso, analistas não hesitam em afirmar que o Brasil ainda vai demorar mais do que os outros países para retornar ao patamar pré-crise devido à baixa capacidade de crescimento do país. Com a queda de 9,7% no segundo trimestre de 2020, o PIB brasileiro voltou ao patamar de 2009. Com muita sorte, e considerando a manutenção do teto de gastos, a volta aos níveis de antes da pandemia só deverá ocorrer no fim de 2022 pelas estimativas da Tendências Consultoria. E olhe lá.
Após a divulgação do PIB, as estimativas revisadas foram bastante contraditórias. Algumas foram mantidas, umas, melhoraram, e outras, pioraram, como foi o caso do Goldman Sachs, que alterou de 5% para 5,4% a estimativa de queda neste ano. Alberto Ramos, diretor para a América Latina do banco norte-americano, aponta como um dos motivos da revisão o efeito de carregamento estatístico do PIB do primeiro semestre, de retração 9,1%. Ou seja, se a economia se mantiver no patamar do segundo trimestre até o fim do ano, os 5,4% de contração são factíveis.
Redução do auxílio emergencial vai pesar
Economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale diz que, apesar de revisar de 5,3% para 4,8% a projeção de queda do PIB, não acredita em retomada em V, pois manteve em 2,2% a previsão de crescimento do PIB em 2021. “Retomada em V só nos indicadores de confiança. Vai levar tempo para a economia se recuperar por causa dos serviços”, destaca.
Vale reconhece que o auxílio emergencial de R$ 600 ajudou a evitar uma queda maior no PIB no segundo trimestre. Uma simulação feita por ele indica que, em vez de a retração ter sido de 11,4% na comparação com o segundo trimestre de 2019, o tombo seria de 18,2% sem o benefício. Vale ainda fez um alerta para a piora da distribuição de renda no ano que vem, devido à redução do auxílio emergencial à metade, para R$ 300, a partir do ano que vem com o Renda Brasil, substituto do Bolsa Família. Ele também aponta piora no mercado de trabalho.
Na avaliação da economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, de Washington, essas divergências de previsões ocorrem porque os modelos econométricos não estão conseguindo simular o que está acontecendo com a economia devido à pandemia. Os resultados do PIB, segundo ela, são consequências diretas da condução das medidas equivocadas de combate à doença na área de saúde.
“Não é possível dissociar a saúde da economia. Os dados do PIB não podem piorar, porque a pandemia está em curso e descontrolada. Logo, retornar ao patamar pré-crise ainda não dá para prever, mas, certamente, vai demorar muito”, avalia Mônica.
Ela lembra que o pico de contágio da pandemia de covid-19 no Brasil estendeu-se por um período muito mais extenso do que em outros países, pois o governo federal não apoiou medidas de governadores para quarentenas mais duras logo na chegada do novo coronavírus ao país. Pior: incentivou as pessoas a circularem normalmente, porque classificou a doença como uma “gripezinha”. O quadro apontado por ela para a economia brasileira é de uma depressão econômica, com quebradeira de empresas pela frente, especialmente, por causa da demora para a liberação dos empréstimos às micro e pequenas empresas.
Mergulho na depressão
Na visão de Monica, o rombo atual e crescente das contas públicas poderia ter sido evitado se o confinamento tivesse sido mais duro no início da pandemia, como ocorreu em países como a Coreia do Sul. Daqui para frente, enquanto não houver uma vacina contra a covid-19, o Brasil terá que conviver com idas e vindas da pandemia, como já está ocorrendo em várias regiões da Europa. Por isso, o país pagará caro , inclusive, por meio de um programa de renda básica mais amplo para continuar evitando tombos ainda maiores na atividade.
Diante dessa realidade, acredita a economista, as projeções de queda do PIB abaixo de 5% não são sustentáveis e devem ser revistas quando o voo de galinha se confirmar e os dados do quarto trimestre apresentaram recuo em relação ao anterior.
Pelas contas dela, para que o PIB registre queda de 4,7% neste ano, conforme as estimativas do Ministério da Economia, será preciso que a economia avance 5% a 6% no terceiro e no quarto trimestres, respectivamente. “Isso não vai acontecer”, aposta. Monica admite que há chances de o PIB encolher de 7% a 8% neste ano, mas mantém sua projeção de retração de 9% a 10%.
Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências, adianta que está revendo de 7,3% para 6% a estimativa de queda do PIB neste ano e também não consegue enxergar tombo menor do que esse patamar, especialmente, porque esse cenário considera a manutenção do teto de gastos.
“O nível de incerteza ainda é muito elevado, e não há perspectiva de retomada forte do consumo. Também não sabemos o verdadeiro impacto nas pequenas e médias empresas e quantas vão conseguir sobreviver ao baque da pandemia. Logo, o processo de recuperação no segmento de serviços, em que essas empresas são a maioria, deverá ser demorado”, diz.
Saúde comprometeu economia
Na avaliação da economista Silva Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), o resultado do PIB do segundo trimestre, apesar de ter apresentado divergências com as previsões mais otimistas, não fez com que o instituto revisasse a estimativa de queda de 5,4% neste ano.
“Nossa visão é de que o segundo semestre deverá ser melhor do que o primeiro, mas uma normalização do setor de serviços, que gera muito emprego informal, não deve ser acelerada. O que temos novamente são novos e velhos problemas, com os investimentos em níveis muito baixos devido à baixa produtividade. É preciso uma previsão mais positiva sobre reformas estruturais, mas não estamos vendo isso”, pontua.
Monica de Bolle, por sua vez, critica a busca de remédios que foram utilizados em crises anteriores. “A recessão atual é diferente e vai exigir mais criatividade do governo e da sua equipe na busca de soluções”, afirma. O fato, na avaliação dela, é que “o Brasil perdeu na saúde e na economia”.
Brasília, 10h49min