Bolsonaro vem tentando driblar o teto desde 2019, diz IFI

Compartilhe

ROSANA HESSEL

Apesar de a polêmica sobre o teto de gastos estar mais quente agora, o presidente Jair Bolsonaro já vem realizando tentativas de burlar essa regra constitucional desde antes da crise provocada pela covid-19. É o que destaca o comentário “Considerações sobre o teto de gastos da União”, divulgado nesta terça-feira (19/08) pela Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal. Pelos cálculos da entidade, economia com gatilhos para contenção de despesas pode gerar economia de até 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em dois anos.

O teto de gastos, apesar das críticas que vem recebendo de vários economistas sobre a sua redação, é vista pelo mercado e pelos investidores internacionais como uma âncora fiscal. Sem ele, a confiança sobre a capacidade de o governo controlar os gastos públicos acaba e as projeções são de explosão da dívida pública para níveis incontroláveis.

De acordo com os dados da IFI, no ano passado, uma das medidas que Bolsonaro adotou para driblar o teto foi a operação de capitalização da Empresa Gerencial de Projeto Navais (Emgepron), de R$ 10,2 bilhões. O relatório destacou que o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que essa despesa se assemelha com despesa da administração direta e, portanto, deveria ter sido contabilizada no ano passado como gasto sujeito à Emenda Constitucional 95, que implementou o teto desde 2017, porque a operação envolve compra de corvetas. “É como se a Marinha tivesse investindo e deveria ficar dentro do teto. No fundo, o governo gastou fora do teto em prol da Marinha”, explicou o diretor da IFI Daniel Couri, autor do relatório, junto com o diretor Josué Pellegrini, e o diretor executivo Felipe Salto.

“Tentativas de burlar o teto ocorrem todo dia”, lamentou o especialista em contas públicas. O documento cita a Medida Provisória 900/2019, de criação de fundo privado (que não foi aprovada pelo Congresso), e a consulta da Casa Civil em utilizar créditos extraordinários para investimento em infraestrutura e a tentativa de incluir o programa Renda Brasil no Fundeb como algumas das tentativas recentes do Executivo em burlar o teto de gastos.

A promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de aumentar os investimentos em infraestrutura neste ano via crédito extraordinário no orçamento de guerra, de R$ 5 bilhões, também não deixa de ser uma “contabilidade criativa”, na avaliação de Couri. “O governo vai precisar propor um projeto de gasto suplementar ou especial e, nesse sentido, precisará obedecer à regra do teto e tomar cuidado para que o limite não estoure”, afirmou.

Economia com gatilhos

Conforme as regras da EC 95, quando o governo estoura o limite do teto, gatilhos deverão ser acionados, como congelamento de salários e proibição de realização de concursos públicos no ano seguinte. Pelos cálculos da IFI, a economia para os cofres públicos com esses gatilhos seria de 0,5% do PIB em dois anos, o que, considerando a estimativa atual do governo de R$ 7,174 trilhão para 2020, seria uma redução de despesa de R$ 35,8 bilhões no período.

Os economistas defendem no comentário da IFI um arcabouço bem desenhado, desde que combinada a um efetivo compromisso com a sustentabilidade fiscal. “Evitar a prática da contabilidade criativa e preservar a essência do teto de gastos são tarefas fundamentais, sem prejuízo de se optar, posteriormente, por um redesenho do arcabouço atual” destacou o comentário dos economistas da IFI.

No ano passado, o governo conseguiu cumprir o teto de gastos com folga de R$ 33,9 bilhões. Contudo, se a capitalização da Emgepron tivesse sido contabilizada como determinou o TCU, essa margem seria menor, de R$ 23,7 bilhões.

Estado de calamidade

Ao contrário da regra de ouro, que vem sendo decumprida desde 2019, e da meta fiscal, que estão suspensos com o estado de calamidade da pandemia, o teto de gastos precisará ser cumprido neste ano devido à pandemia de covid-19, lembrou Couri.

Pelos cálculos do Ministério da Economia, o limite de despesas sujeitas ao teto em 2020 é de R$ 1,454 bilhões. No relatório de avaliação de receitas e despesas do terceiro bimestre do ano, a folga estava em apenas R$ 2,8 bilhões. No bimestre anterior, o teto já havia estourado em R$ 1,9 bilhões.

De acordo com o diretor da IFI, ampliação da folga foi resultado, principalmente, da falta de execução dos pagamentos dos cerca de R$ 2 bilhões mensais do programa Bolsa Família, porque os beneficiários migraram para o auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia. “O governo vem tentando usar essa folga com outras despesas, mas não é recomendável”, alertou Couri. A previsão para este ano para o Bolsa Família era de R$ 32,5 bilhões, destacou o relatório.

Vicente Nunes