Bolsa amplia perdas com discursos duros do Copom e do governo contra o Banco Central

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ROSANA HESSEL

O nervosismo tomou conta do mercado financeiro nesta quinta-feira. Operadores financeiros ainda estão digerindo o conteúdo do comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, que ontem decidiu manter em 13,75% ao ano a taxa básica da economia (Selic) e manteve a porta aberta para alta de juros, em vez de queda.

Depois de ficar abaixo de 100 mil pontos pela primeira vez desde julho de 2022, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) segue em ritmo de queda e já registra perdas acima de 3%, retornando ao patamar de 97 mil pontos, em meio às ameaças de governistas defendendo uma saída antecipada do BC, Roberto Campos Neto, que, conforme a autonomia da autoridade monetária, tem mandato fixo até dezembro de 2024.  O dólar segue em alta, cotado a R$ 5,28 para a venda, com valorização de 0,84%.

Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não poupou críticas ao Banco Central e a Campos Neto, algo que vem fazendo desde o início do mandato. Ao comentar a decisão do Copom, Lula declarou que “não há explicação” para os juros continuarem no patamar atual. “É preciso a gente deixar que quem tem que cuidar das coisas, cuide. Cada um faz a crítica que quiser, eu digo todo dia: não tem explicação para nenhum ser humano do planeta Terra a taxa de juros no Brasil estar 13,75%. Não existe explicação”, disse ele, hoje, em evento no Rio de Janeiro.  A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, voltou a atacar Campos Neto, e, em entrevista ao UOL, afirmou que ele “jogou contra o Brasil” ao manter a taxa de juros básica em 13,75% ao ano e, portanto, “deve pedir demissão”.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, aposta em início de queda da Selic apenas no terceiro trimestre e, se o governo quiser realmente antecipar esse movimento do Banco Central para junho, sem forçar a barra como está ocorrendo desde o início do ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisará apresentar um bom arcabouço fiscal e crível, pois o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior –, única ancora fiscal vigente, vem sofrendo alterações desde 2019, ano em que passou a vigorar efetivamente sem que o Executivo compensasse os estouros nas despesas dos demais Poderes. A solução, segundo ele, seria sinalizar um compromisso de melhora do resultado fiscal maior do que as autoridades andam mostrando, em vez de querer antecipar a troca de comando do BC, que teve a autonomia aprovada em 2021.

“Se Campos Neto tiver que sair, vai ser bem ruim para a economia, porque um sinal disso vai disparar o câmbio e desancorar muito mais as expectativas de inflação. Seria um fim precoce do governo Lula se tentassem atacar o BC dessa forma. Isso porque seria difícil reverter a quebra de expectativas para os próximos anos. Realmente, espero que isso não tenha a mínima chance de acontecer”, alertou.

Por volta das 15h50, o Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, recuava 3,17%, para 97.045 pontos. É o menor patamar desde 18 de julho de 2022, quando o índice fechou em 96.916, conforme dados do TradeMap. As ações de empresas relacionadas ao consumo são as que mais estão registrando perdas no dia de hoje. Os papeis do Magazine Luiza lideravam o ranking com desvalorização de 13,37%, seguidos por Gol (-10,98%), Azul (-9,77%), Via Varejo (-10,55%), e  BRF, holding controladora da Sadia, (-9,61%).

Frase polêmica

“O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, reforçou o Copom, em nota divulgada, ontem, após a confirmação da Selic em 13,75% pela quinta reunião consecutiva.  A manutenção dessa frase de comunicados anteriores, inclusive, nas reuniões do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que escancarou os cofres públicos para tentar se reeleger, sem sucesso, está causando alvoroço no governo e no mercado financeiro.

“A expectativa do mercado era de manutenção da Selic e de uma mudança na comunicação do Copom com o mercado. Os agentes financeiros esperavam que o Banco Central aliviasse um pouco o discurso, retirando o trecho em que eles falam de alta não aconteceu. Foi praticamente uma repetição. A situação ainda agravou colocando que tem um risco fiscal e com a crise bancária nos Estados Unidos e na Europa. Com isso, estamos vendo a curva de juros subindo bastante hoje, no curto e no longo prazos”, explicou Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. Ele lembrou que houve uma reação forte nas ações do varejo e da construção, setor com empresas mais sensíveis aos juros, tanto no resultado financeiro quanto no endividamento que é bem conectado às taxas do CDI, que acompanha a Selic.

Na avaliação de Cruz, essa forte queda do IBovespa de hoje está relacionada também é o fato de que as expectativas de uma Selic mais alta por um período mais prolongado estão aumentando enquanto a parcela do mercado que apostava um corte da Selic a partir de maio diminui, provocando uma atratividade maior para os investimentos de renda fixa.  “O comunicado virou a mesa de apostas e uma perspectiva de queda dos juros em junho só deverá ocorrer se houver avanços na questão do arcabouço fiscal”, destacou.

Vale lembrar que, enquanto o BC brasileiro manteve a Selic inalterada, países desenvolvidos seguem elevando os juros, sob o discurso de que há ainda pressões inflacionárias. Ontem, o Federal Reserve (Fed) elevou os juros básicos em 0,25 ponto percentual, ampliando o intervalo para 4,75% a 5% ao ano, e, hoje, o Banco Central da Inglaterra aumentou os juros também em 0,25 ponto. Na semana passsada, mesmo em meio à crise em torno da quebra do Credit Suisse, o Banco Central Europeu (BCE) também elevou os juros em 0,50%.

Vicente Nunes