Benefício da dúvida

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A situação está tão ruim, que qualquer sinal de melhora na economia dará fôlego à equipe de Michel Temer para manejar as ansiedades dos agentes econômicos. O primeiro discurso do presidente em exercício foi considerado correto, mas não gerou euforia. Muito pelo contrário. Por enquanto, empresários e investidores preferem dizer que estão dando o benefício da dúvida ao novo governo. Ainda é preciso ver medidas concretas para reverter o caos nas contas públicas, retomar o crescimento econômico, resgatar o emprego e permitir a redução das taxas de juros, de forma que a confiança seja restabelecida.

Há o reconhecimento de que a equipe econômica liderada por Henrique Meirelles tem capacidade para pôr o Brasil numa rota de menos solavancos. Mas é necessário dar mostras concretas de que há espaço e apoio político para a adoção de medidas mais duras e menos populares. Temer diz que está disposto a levar adiante reformas que há tempos o país espera, como a trabalhista e a previdenciária. Assegura, porém, que não mexerá em direitos adquiridos. Não há como acreditar nisso. O acúmulo de problemas nos últimos anos e o descaso de vários governos exigirão comprar briga com a população. A outra opção será o fracasso.

Temer tem a vantagem de que os principais partidos que estão lhe dando sustentação, como o PSBD e o PSB, precisam que a economia dê certo para que o Brasil chegue melhor em 2018. Não é desejo de ninguém disputar as eleições presidenciais sabendo que a herança será terra arrasada. Sendo assim, o melhor a se fazer agora é dar apoio a medidas impopulares, jogar o desgaste para cima do PMDB e pavimentar a melhoria gradual da atividade. O presidente em exercício sabe que os olhos dos que o cercam estão mirando um futuro bem próximo, de dois anos à frente. Mas é o que lhe resta neste momento.

Desejo reprimido

Para Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos, Temer pode tirar proveito do desejo reprimido do empresariado a fim de reverter a grave recessão na qual o país está mergulhado. Por total descrédito do governo, há pelo menos dois anos, os investimentos produtivos estão em queda. Assim, caso os empresários tenham a certeza de que não haverá sobressaltos mais à frente, poderão desengavetar projetos que tendem a reanimar o Produto Interno Bruto (PIB).

O economista lembra que a retração dos investimentos foi provocada pela forte intervenção do Estado na economia durante a gestão de Dilma Rousseff. Regras foram alteradas sem qualquer critério técnico, como no setor elétrico, e o governo acreditou que poderia limitar os ganhos da iniciativa privada em projetos de concessões. A reação do capital foi sair de cena. Como o modelo de crescimento baseado no consumo estava esgotado, a queda dos investimentos fez a atividade derreter. “Portanto, essa é a hora de voltarmos aos trilhos do progresso, como promete Temer”, diz Espírito Santo.

Ele acredita que outro pleito do empresariado está prestes a se tornar realidade: a queda dos juros. Para isso, porém, a equipe de Meirelles tem que apresentar um programa fiscal consistente. Ninguém acredita que o país conseguirá apresentar superavits primários a curto e a médio prazos. Contudo, será importante indicar, sem malabarismos ou pedaladas, que, em dois ou três anos, as contas voltarão ao azul. Esse é o único caminho para que as expectativas de inflação convirjam mais rapidamente para o centro da meta, de 4,5%.

Ceticismo da população

A população, não sem razão, está cética em relação ao governo Temer. A frustração dos últimos anos foi enorme. Boa parte das conquistas provenientes de anos de estabilidade foi perdida. Ninguém acredita que os tempos de bonança que prevaleceram até Dilma Rousseff quebrar o país voltarão tão cedo, especialmente num governo de uma pessoa que chegou ao poder por meio de um projeto tão traumático como o impeachment.

Temer tentou, em seu discurso, passar otimismo aos mais pobres. Recomendou a todos que deixassem de falar em crise e passassem a trabalhar. É o que a maioria quer. Mas como atender a esse apelo se hoje o que se vê é um país afundando num atoleiro que consumiu quase 10 anos da riqueza acumulada. Muitas famílias já não conseguem pagar sequer coisas básicas porque pelo menos um de seus integrantes está desempregado. A cada mês, meio milhão de pessoas entram na lista de caloteiros.

Alexandre Espírito Santo acredita que esse quadro dramático deverá começar a se reverter em 2017, quando PIB pode crescer até 1%. Tudo, no entanto, é mais torcida do que realidade. O Brasil deixou escapar oportunidades importantíssimas. Tomara que Temer, pelo menos, não deixe todos com o gosto amargo da decepção.

Brasília, 09h33min

Vicente Nunes