ANTONIO TEMÓTEO
Diante do temor de bolhas especulativas e do estímulo a operações que acobertam a remessa de dinheiro ilícito, o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, subiu o tom contra a negociação de moedas digitais, em especial o bitcoin. Para ele, a autoridade monetária não estimulará o desenvolvimento da divisa eletrônica, mas vê com bons olhos a proliferação de pesquisas que detalhem possíveis aplicações para o blockchain — a tecnologia por trás da criptomoeda.
Em entrevista ao Correio, o chefe da autoridade monetária explicou que o BC estimulará o desenvolvimento de fintechs com potencial para competir com as instituições financeiras tradicionais e baratear a oferta de crédito. “Eu acho que são três assuntos: o primeiro, as fintechs, que queremos que evolua. Há até uma audiência pública em curso. Temos que saber como lidar com as tecnologias e como estimulá-las. Algumas inovações não queremos estimular, como é o caso do bitcoin. Apesar de a tecnologia, o blockchain, ser interessante”, avaliou.
Para Ilan, o bitcoin tem potencial para lesar investidores diante da volatilidade de preços causada pelos movimentos especulativos. Além disso, pagamentos de sequestros, vendas de armas e de drogas e outras transações ilícitas têm sido fechados por meio de moedas digitais. “O bitcoin tem, basicamente, dois papéis hoje: o de acobertar dinheiro ilícito — não é o papel que eu quero fomentar. E, as vezes, não é só ilícito. Tem gente que compra para valorizar. Ai é uma bolha e não é algo que o Banco Central quer”, alertou.
O bitcoin, com base na tecnologia blockchain, foi criado em 2008 por Satoshi Nakamoto — um personagem desconhecido, provavelmente um pseudônimo criado por um grupo de pesquisadores anônimos. Consiste em um banco de dados distribuído, ou seja, com acesso livre. Os usuários fazem operações uns com os outros sem a necessidade de intermediários. As transações são verificadas na rede por mineradores, como são conhecidos os computadores ou sistemas que validam as informações até elas serem registradas em um banco de dados de contabilidade pública. Atualmente, a moeda digital é vendida no Brasil por R$ 23.810. Uma fração de bitcoin pode ser comprada por R$ 50.
Especulação
A tecnologia disruptiva, com potencial para revolucionar o sistema financeiro, não conta com a simpatia de investidores e banqueiros. O bilionário norte-americano Warren Buffett, conhecido como o Oráculo de Omaha, avaliou que, diferentemente de uma empresa, que produz bens, serviços ou inovação, o bitcoin não produz um ativo real. Para ele, as moedas digitais são como cheques, que têm o papel de transmitir valores, mas, sem lastro, não valem nada. Por isso, a alta expressiva da moeda seria meramente resultado de especulação.
Em entrevista à revista Veja, o presidente do JP Morgan Chase, Jamie Dimon, o maior banco dos Estados Unidos, afirmou que o bitcoin é uma fraude e que as criptomoedas não regulamentadas por um governo ou por um banco central não podem sobreviver no mercado regulado. Apesar disso, ele sinalizou que o blockchain é uma boa tecnologia. Em setembro, em evento promovido pelo Ministério da Justiça, o diretor de Relacionamento Institucional e Cidadania do BC, Isaac Sidney, afirmou que a autoridade monetária estuda emitir uma moeda digital, semelhante ao bitcoin. Segundo ele, o tema estaria em estágio embrionário, mas é debatido por bancos centrais de diversos países. “Há vários aspectos que precisamos avaliar, inclusive os impactos sobre a condução da política monetária”, destacou.
O Banco de Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais, publicou em seu relatório trimestral um capítulo dedicado ao estudo das moedas digitais, lembrou Sidney. O diretor do BC afirmou que o BIS alertou aos bancos centrais do mundo que não podem ignorar o crescimento dessas moedas e seus impactos no sistema financeiro.Um dos pontos em discussão é se as autoridades monetárias devem considerar emitir as próprias moedas digitais. Ele explica que o BC acompanha e monitora as moedas virtuais e a tecnologia blockchain.