A crise detonada pela China, que arrasou os mercados ontem, mostrou que o que está ruim no Brasil pode ficar pior. Técnicos confiáveis do governo já admitem que a esperada desaceleração da economia mundial agravará a recessão do país, com a queda do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano se aproximando dos 3% e o desemprego caminhando mais rapidamente para os 10%. O quadro desastroso se completará com a alta da inadimplência, movimento que tenderá a ficar mais forte a partir de setembro.
Tanto no Banco Central quanto no Ministério da Fazenda, o clima ontem foi de apreensão. Auxiliares de Alexandre Tombini e de Joaquim Levy lamentavam o fato de o Brasil estar tão frágil num momento em que o mundo caminha para tempos turbulentos. Para eles, mesmo que o consenso não seja de um tombo espetacular da China, o fato de a segunda economia do planeta estar rateando já será suficiente para ampliar a onda de desconfiança que provoca estragos nas economias emergentes.
Como bem definiu um dos técnicos do governo, além de não fazer o dever de casa na economia, o Brasil irradia para os investidores a imagem de um país sem rumo. A cada dia, a presidente Dilma Rousseff destrói o pouco que lhe resta. Agora, acabou de abrir mão de Michel Temer da articulação política. O vice-presidente, de alguma forma, vinha dando sobrevida à petista ao manter o PMDB minimamente unido para garantir a governabilidade.
Na avaliação dos investidores, se, com Temer segurando as rédeas dos peemedebistas, já estava difícil para o governo aprovar, no Congresso, medidas que pudessem garantir o cumprimento das metas fiscais deste ano e de 2016, tornou-se quase impossível isso acontecer sem o compromisso de apoio de uma parcela importante do partido. É por isso que os analistas atribuem a maior parte do desastre brasileiro aos problemas internos — todos, ressalte-se, oriundos do Palácio do Planalto.
A capacidade do governo de criar ruídos é tamanha, que, não bastasse abrir mão da articulação política de Temer, o Palácio estimulou ruídos sobre uma possível saída de Levy do Ministério da Fazenda. A boataria foi tão forte que implodiu os sinais de recuperação que a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) esboçou no meio do dia. O ministro teve que passar pelo vexame de dizer que está firme no cargo, quando todos sabem que ele está cada vez mais isolado e colecionando uma série de derrotas em projetos considerados vitais para a arrumação das contas públicas.
“Não há dúvidas de que os problemas enfrentados pela China provocam turbulências e podem ter consequências para a economia. Mas a fragilidade do Brasil se deve a problemas criados no país. A economia está mal e a crise política aumenta a vulnerabilidade”, afirma Evandro Buccini, economista-chefe da Rio Bravo Investimentos. “Infelizmente, o Brasil não fez o dever de casa para sair do grupo dos piores. E isso se torna um problema maior quando o mundo não vai bem”, acrescenta.
Dívida das famílias
A perspectiva é de que, daqui por diante, o mau humor em relação ao governo só aumente. Os números que serão divulgados nos próximos dias mostrarão que a situação da economia é muito pior do que o imaginado. Na vida real, as famílias sabem bem disso. Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), muitos lares estão sendo obrigados a recorrer a empréstimos para cobrir despesas do dia a dia, uma vez que o orçamento foi destroçado pela inflação alta. O agravante é que o endividamento está se dando a juros extorsivos, que vão levar ao calote.
Em pesquisa que será divulgada hoje, a CNC mostrará que o número de famílias endividadas atingiu, em agosto, o nível mais elevado do ano: 62,7%. O total de lares com débitos em atraso também aumentou, para 22,4%, assim como o número de famílias sem condições de honrar os compromissos — em agosto de 2014, eram 6,5%; agora, são 8,4%. Pelo levantamento da entidade, a disseminação do endividamento se dá entre os que ganham menos de 10 salários mínimos por mês e os que recebem mais do que isso.
Na opinião de Buccini, da Rio Bravo, esse quadro só não é pior porque os bancos estão mais seletivos na concessão de crédito. “Vamos ver a inadimplência crescer, mas não na velocidade do passado, devido à prudência das instituições financeiras”, ressalta. Ele lembra que, nos próximos meses, veremos muitas pessoas que foram demitidas, mas continuaram pagando as dívidas com recursos do seguro-desemprego, avisando que, com o fim do benefício, honrar débitos com bancos já não estará mais na lista de suas prioridades.
Rumo ao quarto quantitative easing » Analistas internacionais começaram a cogitar a possibilidade de, com o agravamento da crise mundial, os Estados Unidos fazerem uma quarta etapa do quantitative easing, mecanismo pelo qual o Federal Reserve (Fed), o Banco Central norte-americano, injeta recursos na economia. Onda de deflação » O Banco Central brasileiro acredita que a turbulência chinesa poderá espalhar uma onda de deflação pelo mundo. Os analistas do país, no entanto, ainda não contabilizam tal hipótese em suas projeções. Tanto que, novamente, elevaram as estimativas de inflação para 2016. Encanto está acabando » O ministro Joaquim Levy se disse ontem firme no cargo. Mas ele já demonstrou, por mais de uma vez, que está perdendo o encanto com a missão que lhe foi dada por Dilma.
Brasília, 00h01min