Bancos viram entrave para que financiamento da casa própria deslanche

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O governo anunciou, nas últimas semanas, uma série de medidas para incrementar a construção civil, setor que representa 9% do Produto Interno Bruto (PIB) e que tem um grande efeito multiplicador, mas de pouco adiantará se o pacote não vier acompanhado de uma forte queda nas taxas de juros. Além de os financiamentos estarem caros, os bancos têm restringido o acesso ao crédito. Preferem ficar com os recursos aplicados em títulos públicos, que rendem pelo menos 13% ao ano, sem nenhum esforço, do que financiar a casa própria.

Na avaliação do presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, chegou a hora de o Banco Central dar sua contribuição para que o setor saia do atoleiro. “Assim como o Ministério da Fazenda tomou uma série de ações para facilitar os negócios no mercado de imóveis, o BC precisa reduzir os juros rapidamente para forçar os bancos a liberarem crédito à produção”, diz. Isso, acrescenta ele, passa pelo corte da taxa básica (Selic) de 13% para 12% ao ano na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que começa hoje e termina amanhã.

Martins conta que os bancos vêm impondo condições pesadas às construtoras para liberar empréstimos. “As linhas de crédito, que eram renovadas automaticamente nas datas de vencimento, estão sendo cortadas em muito casos. Quando algum dinheiro é liberado, as taxas de juros são muito maiores do que nas operações anteriores. Passam de 9% para 19% ao ano”, diz. Não é só. As exigências de garantias ficaram maiores, pois as instituições subavaliam os imóveis, e os prazos de carência para o início dos pagamentos diminuíram.

“Os bancos estão em uma situação muito confortável. Se aproveitam dos juros altos dos títulos públicos para engordar os lucros. Enquanto isso, o setor produtivo, que movimenta a economia, cria empregos, sofre com as restrições ao crédito”, frisa Martins. Essa insensibilidade do sistema bancário, destaca ele, pode enterrar todas as chances de a construção civil se recuperar nos próximos meses. “Mantido o quadro atual, quando chegarmos à tão esperada taxa de juros de um dígito, muitas empresas estarão mortas”, enfatiza.

Porta de entrada

Para o presidente da Cbic, não é por acaso que o governo tem procurado facilitar o uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a compra da casa própria. O total de recursos bancados pelo fundo saltou de R$ 40 bilhões para R$ 50 bilhões entre 2014 e 2016 e deve atingir R$ 65 bilhões neste ano. Já o volume desembolsado pelos bancos, com base em dinheiro depositado na caderneta de poupança, desabou, no mesmo período, de R$ 117 bilhões para R$ 39 bilhões.

“Houve uma combinação de fatores para a retração dos financiamentos com recursos da poupança. Além da falta de disposição dos bancos, os juros subiram muito e as famílias decidiram adiar a compra de imóveis. Historicamente, quem recorre a essas linhas não está comprando o primeiro imóvel. Normalmente, está trocando por algo melhor”, explica Martins. Os recursos do FGTS, por sua vez, são a porta de entrada para a tão sonhada casa própria.

Por isso, ressalta o executivo, foi importante o governo ter ampliado as faixas de renda do Minha Casa Minha Vida. Agora, os beneficiários poderão conjugar subsídios maiores e juros mais acessíveis. “Não podemos esquecer que os bancos não ligam muito para as famílias com renda de até R$ 9 mil, porque elas não usam muitos serviços bancários. As instituições querem fidelizar os clientes por 30 anos, para que paguem todo tipo de tarifa, usem cartão de crédito. Os bancos querem rentabilidade. Incluem tudo na hora de definir quanto vão cobrar de juros da clientela”, diz.

Crise diferente

Apesar dos movimentos feitos pelo governo, o PIB da construção civil deverá crescer este ano entre 0,2% e 0,3%, abaixo do 0,5% projetado para toda a economia. O estrago no setor nos últimos três anos foi enorme. Nos cálculos mais conservadores, o PIB da construção encolheu 10%. Foram fechadas, em igual período, mais de 1 milhão de vagas. “Para crescer, é preciso mais do que foi feito. Não se pode esquecer que a crise que enfrentamos é a maior desde 1901, como diz o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Ou seja, crise diferente tem que ser tratada de forma diferente”, afirma Martins.

Ele destaca que a ampliação, para R$ 1,5 milhão, do teto do valor dos imóveis nos quais os compradores podem usar FGTS veio em boa hora, pois permitirá que as construtoras desovem estoques e possam retomar os lançamentos. Ele ressalta, porém, que a medida precisa ser temporária, para que os recursos do fundo sejam destinados aos trabalhadores de menor renda, que são relegados pelos bancos.

Brasília, 07h03min

Vicente Nunes