Até onde vai o capital político de Temer

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O governo está convencido de que, em vez de retroceder, a recessão se aprofundou no terceiro trimestre do ano. Os números relativos ao Produto Interno Bruto (PIB) do período serão divulgados amanhã pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a perspectiva é que o tombo tenha ficado próximo de 1%. Será o primeiro resultado do PIB com o país totalmente sob o comando de Michel Temer.

Não por acaso, um clima de apreensão tomou conta do Palácio do Planalto. O governo contava com uma ligeira melhora da economia para reforçar o apoio a Temer. O problema é que a deterioração da atividade está ocorrendo em meio a uma grave crise política, detonada por Geddel Veira Lima, que usou o cargo de chefe da Secretaria de Governo para forçar a liberação da construção de um prédio em uma área tombada em Salvador. A demora do presidente em demitir o subordinado acabou empurrando a crise para o colo dele, como ele mesmo admitiu.

Na visão do governo, num quadro econômico menos hostil, problemas políticos acabam sendo minorados. Todos no entorno de Temer reconhecem que, se a recessão não tivesse sido tão forte, certamente o impeachment de Dilma Rousseff não teria acontecido. Mesmo diante da gravidade das denúncias de corrupção envolvendo o partido dela e auxiliares próximos, ela teria se segurado se o PIB não houvesse derretido e o desemprego disparado.

Afoitos erram feio

Logo depois que tomou posse, embalado pelo otimismo dos investidores e do empresariado, o governo de Temer chegou a prever crescimento do PIB entre julho e setembro. Os mais afoitos decretaram o fim da recessão. Os dados divulgados mês a mês pelo IBGE, no entanto, foram apontando uma realidade mais adversa. Nem a indústria, nem o varejo, nem o setor de serviços esboçaram reação. Todas as projeções foram revistas para pior.

O que se assistiu, pós-euforia do impeachment de Dilma, foi uma economia cavando um buraco no atoleiro. O fundo do poço, infelizmente, não havia chegado, apesar de profissionais experientes alardearem que os primeiros sinais de reação da atividade estavam se esboçando no horizonte. O país foi apresentado a uma gravíssima crise fiscal nos estados — Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul na dianteira —, as famílias se viram metidas em dívidas pesadíssimas com um desemprego que está longe de ser contido e as empresas mal estão conseguindo pagar despesas corriqueiras.

“Ou seja, nada do que se esperava aconteceu. A verdade cruel foi que a economia continuou em derrocada e, agora, estamos no meio de uma crise política que pode atrapalhar ainda mais”, diz um técnico da equipe econômica. “Acreditávamos que a política havia saído do protagonismo e os indicadores econômicos tomariam a cena. Erramos feio”, acrescenta. Para ele, é possível que também o PIB do quarto trimestre seja negativo. “Não há confiança que resista a uma crise política tão séria quanto a que estamos vivendo. Tivemos um respiro, mas toda a incerteza voltou.”

Sem surpresas

Auxiliares de Temer acreditam que o governo terá, entre hoje e amanhã, duas oportunidades para pelo menos dar uma demonstração de que está no jogo. A primeira, aprovando em primeiro turno, no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os aumentos dos gastos públicos. A segunda, com o Banco Central cortando a taxa básica de juros (Selic). A despeito do consenso de que o custo do dinheiro será reduzido em apenas 0,25 ponto percentual, para 13,75% ao ano, há alguns que acreditam em uma surpresa por parte do BC, anunciando queda maior na taxa.

Tudo isso, no entanto, está precificado pelo mercado, mesmo uma ousadia maior da autoridade monetária. “O que não pode ocorrer é o governo ser derrotado no Senado ou o BC suspender a redução da Selic. Isso seria catastrófico. Se seguirmos o roteiro traçado pelo mercado, já será um ótimo negócio”, destaca um interlocutor do presidente. “Num quadro de tamanha instabilidade, nada mais pode sair do roteiro. Isso vale, inclusive, para a negociação com os estados. Os governadores precisam cumprir o que acertaram com o Planalto e aderirem ao ajuste fiscal”, emenda.

Na avaliação de Sílvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, a questão política voltou a ser crucial para os rumos da economia. Ele afirma que o governo não deve se contentar em aprovar apenas a PEC dos gastos. Será preciso avançar e tirar do Congresso o apoio à reforma da Previdência Social, pois, sem ela, com o passar dos anos, as despesas com aposentadorias e pensões consumirão todos os recursos públicos. “Teremos a PEC dos gastos previdenciários e mais nada”, diz.

PEC previdenciária

Pelo cenário dele, apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelo governo, são de 60% as chances de Temer sair vitorioso em relação à PEC dos gastos e à Previdência, o que permitirá ao país retomar, gradativamente o crescimento econômico nos próximos anos. Mas são de 30% a probabilidade de fracasso, com a crise política saindo do controle. Uma agenda otimista, com a aprovação de todas as reformas, está contemplada com apenas 10% de chances nesse cenário.

Para Campos Neto, não há ilusão: a política continuará ditando os rumos da economia no país. E tudo indica que haverá muitos sobressaltos nos próximos meses, devido, principalmente, às denúncias de Marcelo Calero, ex-ministro da Cultura, que deixou o cargo acusando Geddel de pressioná-lo para cometer irregularidades, e às delações da Odebrecht. Sendo assim, é melhor preparar os ânimos. O Brasil ainda está muito longe da normalidade.

Brasília, 06h05min

Vicente Nunes