POR RODOLFO COSTA E HAMILTON FERRARI
Os abusos contra os usuários de planos de saúde não têm fim. E quanto mais próximo eles estão dos 60 anos, maiores são os excessos. Não por acaso, a Justiça está repleta de processos contra convênios médicos movidos por pessoas que chegaram aos 59 e estão tendo as mensalidades reajustadas em até 130%. Como sabem que, a partir dos 60 anos, não poderão mais aumentar os planos por idade, a cada quatro anos, as empresas exageram na mão no último ano em que a regra é permitida. Para os tribunais, as operadoras agem de má-fé e descumprem o Estatuto do Idoso por meio de correções extorsivas.
A professora desempregada Helen Maria Borges da Cruz, 59 anos, que o diga. Em março deste ano, o convênio dela, oferecido pela Amil, ficou 70,5% mais caro. A mensalidade saltou de R$ 786 para R$ 1.340. Motivo: mudança de faixa etária. Antes que Helen completasse 60 anos, neste mês de junho, a operadora aplicou o reajuste. Sem condições de pagar o boleto, só lhe restou recorrer à Justiça. A professora conta que, vai ao hospital toda semana para tomar uma injeção como parte de um tratamento de artrite e osteoporose. Segundo os médicos, a medicação será mantida pelo resto da vida, pois as doenças fragilizam ossos e articulações do corpo, facilitando fraturas e deformações. “É um tratamento extremamente necessário”, diz.
Ela conta que, quando recebeu a fatura do convênio com o aumento, entrou em pânico. “Pensei: não tenho como pagar. Acabou. Só não desmaiei porque me considero uma pessoa forte”, relata. Sem alternativa, entrou com uma ação judicial, exigindo que a Amil voltasse a cobrar o valor anterior ao reajuste. “Peguei o contrato da seguradora e o laudo médico e dei entrada no tribunal, solicitando a redução do valor”, conta. Em menos de um mês, veio a alegria: a Justiça concedeu a liminar favorável a Helen e a operadora foi obrigada rever o valor da mensalidade.
Manobras
As regras de reajustes fixadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) são claras. Além dos aumentos anuais, que, sistematicamente, têm ficado acima da inflação, as operadoras podem aplicar uma correção nas mensalidades a cada quatro anos, a partir dos 18. No total, são 10 faixas. Por lei, o valor do plano com o último reajuste pode ser, no máximo, seis vezes superior ao vigente após a primeira correção. E mais: variação de preços acumulada entre a sétima e a 10ª faixas não pode superar a taxa verificada entre a primeira e a sétima. As operadoras, contudo, arrumam um jeito de burlar a lei.
Advogada da Proteste Associação de Consumidores, Lívia Coelho é enfática: “A despeito de as regras serem claras, as operadoras aplicam pequenos reajustes durante um período na tentativa de mascarar o aumento aos 59 anos”. Segundo ela, a manipulação é deliberada para driblar as regras da ANS. Por isso, a Proteste entrou com pedido no Ministério Público Federal (MPF) para que investigue a prática e proteja os consumidores. O advogado José Maria Ribas sugere que os usuários de planos de saúde denunciem os excessos aos órgãos de defesa do consumidor e à ANS, que pode reverter o aumento aplicado pela empresa sem a necessidade de entrar na Justiça. “Mesmo que não consiga algo favorável com a agência, o consumidor pode obter uma manifestação formal para ser usada no processo”, diz ele.
Nos últimos 12 meses, a ANS registrou 420 reclamações de beneficiários com idade de 59 e 60 anos, relatando abusos dos convênios médicos. No Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), foram quase 1,7 mil em dois anos. Esses números, contudo, poderiam ser muito maiores se as pessoas não estivessem recorrendo diretamente à Justiça, reconhece a advogada Estela Tolezani, do escritório Vilhena Silva Advogados. “Os consumidores não estão conseguindo ter os problemas resolvidos nos Procons. Então, vão para os tribunais”, afirma. Em 2014, o escritório entrou com 95 ações de reajustes abusivos aos 59 anos. No ano passado, foram 134, alta de 41%. “A maioria dos casos é de reajustes de 70%. Mas temos ações com correção de até 130%”, relata.
Outro lado
A Justiça foi o único caminho encontrado pelo médico José Álvaro de Barcellos, 59, completados em novembro do ano passado. A comemoração, no entanto, veio com uma surpresa nada agradável. Ele teve dois aumentos de uma única vez, o da faixa etária e o anual permitido em lei. “Ganhei um ótimo presente de aniversário. A mensalidade do meu convênio com a Amil quase dobrou, subiu 93,5%, passando de R$ 841 para R$ 1.627”, relata. Em duas semanas, ele conseguiu uma liminar e, em três meses, uma sentença suspendendo o reajuste feito pela empresa. Em comunicado, a Amil informa que a “operação está fundamentada na Lei dos Planos de Saúde (9.656/98) e demais regulações do setor”. A operadora destaca ainda que cabe recurso nas decisões judiciais.
A ANS recomenda que, caso o consumidor julgue o reajuste irregular ou abusivo, seja em planos coletivos, seja em planos individuais, é importante registrar uma reclamação com a operadora e denunciar ao órgão por meio dos canais ativos de comunicação. “O prazo máximo para a adoção das medidas necessárias à solução da reclamação é de até 5 dias úteis, em casos assistenciais, e de até 10 dias úteis, para não assistenciais, como o tema reajuste”, destaca.
Diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), José Cechin nega aumentos abusivos nos convênios e assegura que as operadoras se baseiam em despesa por faixa etária. “Dos 54 aos 58 anos, a média de custo é de R$ 3,9 mil per capita. Aos 59, passa a ser R$ 8 mil. Isso significa que o gasto dobra. Segundo ele, as correções se baseiam na pesquisa da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), que analisa estatísticas mundiais.
Brasília, 11h01min