O governo começou a quarta-feira pronto para surfar numa ótima notícia, a menor inflação (0,38%) para meses de janeiro desde 1994, mas acabou terminando o dia enrolado numa arapuca que ele próprio armou com a nomeação de Moreira Franco, citado em várias delações no âmbito da Lava-Jato, para um ministério. Desde o anúncio de que o fiel aliado do presidente Michel Temer passaria a ter foro privilegiado, livrando-se das garras de Sérgio Moro, já se sabia que coisa boa não viria. O juiz federal Eduardo Rocha Penteado suspendeu a nomeação alegando irregularidades e ressaltando as semelhanças com o caso de Lula, indicado ministro da Casa Civil pela então presidente Dilma Rousseff.
Para um presidente que não tem apoio popular, criar esse tipo de confusão é um claro sinal de falta de sintonia com as ruas. Temer deveria se preocupar em fazer o menor ruído possível na política e tirar proveito das boas informações que começam a pipocar no campo econômico. Alguns indicadores de atividade apontam que, timidamente, a recessão está sendo deixada para trás. A inflação vem caindo com tanta força que pode encerrar este ano abaixo do centro da meta, de 4,5%. Isso permitirá que o Banco Central acelere o corte na taxa básica de juros (Selic), que tende a ceder de 13% para 12% ainda neste mês. Esses indicadores sinalizam uma melhora na sensação de bem-estar da população.
O governo, no entanto, parece ter um único objetivo neste momento: criar barreiras para a Lava-Jato. Da mesma forma que tentou blindar Moreira, o presidente indicou para o Supremo Tribunal Federal (STF) seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, filiado ao PSDB, que terá a missão de revisar os processos relacionados à corrupção que devastou a Petrobras. O descaso com a opinião pública é tamanho que o Palácio do Planalto está apoiando a indicação do senador Edison Lobão, citado em vários processos da Lava-Jato, para o comando da Comissão de Constituição em Justiça (CCJ), responsável por sabatinar o futuro ministro do STF.
Estrela da confusão
Na avaliação do analista político Paulo Kramer, essas ações do governo mostram uma desarticulação enorme. Mais que isso, revelam um anseio em reduzir os estragos da Lava-Jato, sobretudo diante das delações do fim do fundo da Odebrecht. “O problema é que, para se produzir uma pizza, é preciso combinar com muitos russos. Ou seja, está cada vez mais claro que uma pizza não é impossível, mas ficou muito mais improvável”, diz. Portanto, o melhor que o Planalto deveria fazer seria focar as atenções no que está dando certo e pode lhe garantir sustentação até o fim de 2018, a economia. Enrascadas políticas só alimentam crises desnecessárias.
O descontentamento provocado pela tentativa de Temer de blindar Moreira é percebido até mesmo dentro do governo, sobretudo entre os técnicos da equipe econômica. Eles ressaltam que a instabilidade política enfraquece os argumentos usados com empresários e investidores de que o país está em rota de recuperação. “Moreira estava bem, cuidando das concessões e privatizações sem status de ministro. Apesar de ele ser muito próximo do presidente, não estava no radar principal da opinião pública. Agora, virou a estrela de uma confusão que desgasta a imagem do governo e mina a confiança que o Brasil precisa para voltar a crescer de forma sustentada”, afirma um dos técnicos.
Kramer vai além. “Desde a semana passada, o governo vinha mostrando força. Conseguiu fazer os presidentes da Câmara (Rodrigo Maia) e do Senado (Eunício Oliveira)”, ressalta. Com isso, na visão dos donos do dinheiro, consolidou-se a percepção de que o Planalto aprovaria, sem grandes traumas, as reformas trabalhista e da Previdência ainda no primeiro semestre do ano. A certeza de que isso ocorrerá permanece, mas se teme que as fissuras abertas pelos movimentos a fim de enfraquecer a Lava-Jato acabem ampliando a gritaria contrária às mudanças no mercado de trabalho e no sistema previdenciário. Se as reformas não saírem até o fim de junho, o bom humor do mercado se transformará em um azedume incômodo.
Estorvo
Para técnicos da equipe econômica, Temer deveria incentivar Moreira a se desligar do governo. “Ele virou um estorvo”, diz um dos profissionais mais gabaritados da Esplanada. “É um aliado de primeira hora do presidente, mas faria um favor se optasse por sair. O governo não pode permitir que se estimule uma crise como a provocada por Geddel Vieira Lima”, acrescenta. Geddel foi acusado de pressionar o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, para liberar a construção de um prédio em Salvador que contrariava toda a legislação que rege o patrimônio histórico nacional. “Moreira deveria seguir o exemplo de José Yunes, que, tão logo apareceu em uma delação da Odebrecht, pediu demissão da assessoria especial de Temer”, complementa.
Quem conhece Moreira garante que ele não cederá. E exigirá que o Planalto faça todo o esforço possível para lhe garantir o cargo de ministro de volta. A Advocacia-Geral da União (AGU) já está tentando cassar a liminar concedida pela Justiça Federal. Mas, independentemente do sucesso que venha a obter, o desgaste do governo será grande demais.
Brasília, 06h10min