Por LUIZ RECENA GRASSI
Morreu Alexei Navalny. Deu errado na “operação especial” do Kremlin. O castigo disciplinar imposto pela justiça russa, de prisão na Sibéria, resultou na tragédia em forma de complicações respiratórias depois de uma caminhada no frio polar do Ártico.
O estado do paciente-prisioneiro estava debilitado, vulnerável. E projeto de mantê-lo definhando por lá, distante de Moscou, viu-se acelerado pelas condições climáticas. Não dá para negar: morreu sob à custódia do Estado, o responsável, em última análise ou instância. Vladimir Putin, o presidente da Rússia, perdeu feio.
O morto, de 47 anos, já famoso virou vítima poucos dias depois da maior vitória militar nos últimos meses, a tomada definitiva de Avdiivka, na Ucrânia. Não dei para comemorar muito, e o líder perdeu outra vez. Agora, enfrenta uma nova, histérica e feroz campanha político-midiática ocidental e yanque, sempre pronta para atacá-lo com raivosas performances e muita manipulação.
Fora da questão mídia, há um fato inconteste: essa é uma morte que faz estragos a médio e longo prazos na biografia dos envolvidos. Atua, principalmente, na imagem do líder vencedor, que também morre um pouco. É a dialética, estúpido!
Ainda que Navalny tenha sido formado pela extremíssima direita russa, na política, e, no extremo nacionalismo conservador, na economia, foi inteligente e oportunista ao aproveitar ofertas americanas de estudos.
Abrigado em um partido conservador, protegido pelo enxadrista Gary Kasparov, foi à planície política gritar contra a corrupção e começou a bater em Putin. Começou aí a ruína do jovem de família evacuada da região de Tchernobyl.
Distante apenas 600 metros da usina, a vila acabou e seus moradores dispersados entre Kiev, São Petersburgo e Moscou. Laços mantidos, a família tem prima deputada no Congresso ucraniano e Navalny, uma irmã ativista contra a guerra, na Rússia.
“Muita gente não o entendia e o criticava, mas a morte lembrou que isso pode ocorrer com qualquer um”, disse ao Blog uma fonte russa, em Moscou. Lembrou também que a esmagadora maioria apoia Putin. “É no exterior que o apoio diminui, mas não afeta internamente”, encerrou.
Tudo ocorre num momento que vitórias na guerra se acumulam e a fragilidade de Volodimyr Zelensky, presidente da Ucrânia, e seu exército só aumenta. E mais: o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou, para mais, o crescimento do PIB russo para este ano. Vai ser de 2,6%, mais de um por cento acima da primeira previsão, feita ano passado. Enquanto a Alemanha quebra e a França anuncia sombrios prognósticos. Anos difíceis para as duas locomotivas europeias.
As duas dezenas de vagões restantes sofrerão ainda mais. Economistas americanos e europeus são unânimes nos elogios ao Kremlin e à “resiliência econômica da Rússia”. O favoritismo eleitoral já anunciado e explicado pela Europa e Estados Unidos ganhou dois aliados de peso, as vitórias militares e os índices econômicos, informados e chancelados, por fontes não russas .
O CORREIO SABE PORQUE VIU
Estava lá. Os minutos contados foram eternos, mas insuficientes para secar lágrimas, controlar a raiva. O jornalista e linguista soviético passou anos servindo o Comitê Central do partido, em idiomas como espanhol, português e inglês. Até que o comunismo bolchevique acabou e, com ele, o Comitê.
No dia seguinte, ao sair do trabalho, foi brindado com a passagem em corredor polonês composto por populares, aposentados e vovós. Uma saraivada de tapas e bolsadas na cabeça. Correu. Era tarde. Apanhou no corpo e na alma.
Quando me contou o ocorrido, o corpo já não doía, mas a alma estava ferida. Esse foi “o pagamento simbólico recebido após décadas de dedicação”, disse, com voz ainda embargada. Ninguém do sistema o ajudou. Mãos latinas fizeram algo para apoiá-lo. Até que a África do Sul, mais rica, arrumou-lhe coisa melhor.
Esse caso ilustra bem o que foram aqueles dias, de incertezas e perplexidades. Quando anunciou-me sua saída, não estava feliz. Queria seguir nas parcerias com latinos. “O salário é em dólares e, aqui, não se sabe o futuro”, resumiu. E completou: “Como dizem vocês, o que será o amanhã?”. Agora é diferente. Mesmo sem detalhes, Rússia e russos têm ideia do que será o amanhã.