Artigo: Sangue sobre a neve

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Por LUIZ RECENA GRASSI, de Portugal

Vladimir Putin fecha o ano de 2022 a vencer a guerra e bater no adversário. Putin inicia o ano de 2023 apanhando um pouco do adversário. É a guerra que não dá trégua. Quem começou o novo ano a encharcar a terra de sangue? Essa é a disputa da semana. Putin passou vergonha ao usar recrutas néscios, despreparados, ingênuos. Tanta qualidade reunida levou a 89 mortos e mais de cem feridos do lado russo. Maior erro: uso de celulares, que ficaram ligados. Tempo de sobra para os ucranianos executarem os inimigos. Uma a carnificina.

Os russos do Donetsk exigem vingança. Querem mais sangue sobre a neve de Kiev. Armas novas chegam ao front russo. E velhas carcaças europeias ao front ucraniano. Tudo pronto, diferente, limpo para o mesmo baile. A neve pede sangue. Ele virá. Depois dos tanques leves e velhos de França, agora é a Espanha a entrar na briga com 400 soldados. Tudo para ajudar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a mascarar ataques da Ucrânia. Não consta que essa vitória de Kiev virá, nem algum desfecho favorável, se houver.

A Europa trabalha com o número de sete mil civis russos abatidos pelos ucranianos desde que a guerra começou. E a Rússia ainda é a Rússia, ainda favorita. Mísseis, drones, inverno estão a chegar e a fazer estragos. A neve pede mais forças da defesa, e sangue. A guerra tudo providenciará. E mais mísseis novos de cruzeiro. A paz é utopia de preço alto, daí que esperanças são poucas. Mísseis balísticos são novidades a bordo de navios hipersônicos. As ações de calmaria ficaram na conta dos Patriarcas.

Putin falou em cessar fogo, Volodimyr Zelensky fez cara de paisagem e acusou os russos de hipocrisia depois de horas de mudez em Kiev. Entre os ucranianos, tempo de silêncio. Eles chamaram os russos de hipócritas e desse jeito ficaram. À espera. Putin acabou por não parar também com suas bombas em áreas de combate com ucranianos. Zelensky teria jogado errado, por fazer desaforo ao Kremlin, algo incomum. Agora é esperar por mais tempo, pelo menos. Enquanto isso, certamente o que veremos é mais enxofre, mais balas, mais sangue sobre a neve.

O CORREIO SABE PORQUE VIU

Estava lá. Menino é menino. Na primeira viagem, eles já foram sós, visitar papai. Com oito e nove anos. Como fizeram nos primeiros dias ninguém sabe. O divino é brasileiro e poderia ser soviético. Certo dia, os dois sobem ao apartamento tipo flecha. Assustados, não sabiam explicar. Era medo da vizinha. “Mas a gente ‘tava’ só jogando bola. A vizinha subiu mais do que assustada, com medo de ter feito alguma maldade aos brasileirinhos. Tudo explicado. Os meninos voltaram ao futebol e a vizinha dois dias depois bateu à porta para ofertar um bolo.

Assim era a extinta União Soviética e depois a nova Rússia: antiga vovó babushka “a festejar seus netos brasileiros”. Quando as férias acabaram, novas festas e emoções ganharam espaço nos corações de brasileirinhos e antigas vovós. Choraram, depois ficaram uns tempos na saudade. E a perguntar pelos netos brasileirinhos. Eram assim as tradições e assim voltarão a ser. Depois de tantas guerras e sofrimento, com raras gerações sem conflitos, difícil não sentir o gosto acre da pólvora, não há emoção que endureça velhos tempos ou dificuldades. Curtidos corações prevalecem. E as avós embalam os netos. Bons anos depois vem a memória do tempo. Traz de volta os registros indeléveis daquele verão moscovita.

Vicente Nunes