Por LUIZ RECENA GRASSI
O mês termina e, com ele, deveria acabar o mandato de Volodimir Zelensky como presidente da Ucrânia. Isso em tempos normais. No tempo atual, há uma guerra no meio do caminho e ela muda o rumo da prosa. O conflito trouxe a Lei Marcial e deu ao presidente a opção de convocar ou não eleições.
Não pode ser chamado de golpista por ficar no cargo. Sobram argumentos ao governo, que os esgrime sempre. O mais citado é o da instabilidade para realizar um pleito. Há outros: a não calculada quebra no total de eleitores, pois milhares fugiram do país e não pensam em voltar; outros tantos lutam na guerra e soldado não pode votar; outros ainda morreram sem deixar registro.
Por último, mas não menos importante, há uma oposição organizada e uma cúpula militar com capacidade de atuar no resultado final. Nesse quadro, se move Zelensky, com a sua reconhecida capacidade de convencer os outros a que ajudem com armas e verbas.
Na vizinhança de discurso-chantagem, avisa que, se a Ucrânia perder. será apenas o início do fim da Europa e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), com o enfraquecimento natural da influência dos Estados Unidos. E uma terceira guerra mundial à vista, desta vez, com armas nucleares. Fala alarmista que assusta no começo. Baixada a poeira, não resiste.
Do discurso à prática, o líder da Ucrânia visitou Portugal, Bélgica e Espanha. Quis agradecer o apoio e pedir mais — levou mais de 2 bilhões de euros dos três países. Ele havia adiado as viagens porque as tropas russas intensificaram os ataques na região de Kharkiv. O presidente foi até lá e garantiu que a segunda principal cidade do país não caiu. Admitiu que russos conquistaram vários vilarejos por perto. Analistas militares dizem que a cidade está cercada.
Na Europa e nos EUA, avisam que o quadro geral está muito ruim. A ajuda militar chega atrasada e aos poucos. No fundo, mantém-se o receio europeu de dar muitas armas ao exército de Zelensky. Os aliados preferem discutir como pôr a mão na verba russa congelada em bancos da Europa e EUA. Um consenso mais do que difícil, pela divergências políticas e interesses entre países e a insegurança jurídica que isso pode gerar aos que já negociaram e/ou ainda o fazem com a Rússia.
Putin reage, descobre um caminho para defesa e retaliação: congelar dinheiro e propriedades europeias e americanas no território russo. O que foi confiscado pelos soviéticos e devolvido depois por Gorbatchov, pode voltar ao status inicial.
Na guerra, Putin faz manobras com mísseis nucleares, gesto dissuasório para discursos pouco responsáveis que tentam intimidar com promessas de bombardeios a solo russo ou de envio de soldados estrangeiros para ajudar o exército da Ucrânia, além de espalhar que a Rússia quer luta contra a Otan e chegar a terceira guerra mundial, o fim de todos.
Fontes russas e europeias ouvidas por este Blog não acreditam nisso, pelo menos agora. Só admitem a internacionalização do conflito a médio ou longo prazo. Putin neste momento está em posição de vantagem e chegou a uma relação de dez para um no front. Estaria a dar dez mil tiros de artilharia por dia contra o inimigo, que responde com mil.
Há, ainda, espaço para algum tipo de paz. Brasil e China chamaram os adversários para uma reunião, com a presença dos EUA. Putin disse estar a fim. Zelensky não disse nada. Biden disfarça vontade. O ucraniano manobra, convida o chinês Xi Jinping para reunião com ele e Biden. Assim como os suíços, que promovem uma conferência sobre a paz para meados de junho sem convidar Putin.
O Brics, acrônimo que reúne Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul, avisou que não irá. O brasileiro Celso Amorim, assessor do presidente Lula, assinou e divulgou nota com o chanceler chinês Wang Yi. Pedem reunião de todos. Quadro geral não favorece Ucrânia e Zelensky, mas há luzes ao fim do túnel, que não são drones ou mísseis em sentido contrário.
O CORREIO SABE PORQUE VIU
Estava lá. Corria o ano de 1988 e o primeiro verão moscovita do correspondente ia rápido para o final. Em domingo bucólico, quente e preguiçoso, depois de farto almoço, o anfitrião Fredinho ofereceu um par de ingressos para concerto de Evgueni Kissin, novo pianista prodígio, que já gravara, adolescente, com Herbert von Karajan e a Filarmônica de Berlim. Concerto no fim daquela tarde.
Sem saber bem quem era, Madame M. e o correspondente seguiram o conselho-ordem do nosso anfitrião, mais antigo na capital e já conhecedor de alguns de seus mistérios e benesses. Nós, também sem saber bem quem éramos, optamos pelo pianista. O concerto número um de Tchaikovski dissipou qualquer dúvida: aos 15 anos, o garoto era mesmo um prodígio.
O Conservatório até hoje conserva o nome do compositor e logo virou ponto de romaria semanal. Tempos de convívio pacífico entre soviéticos e as repúblicas. E um detalhe final: Tchaikovski teve avô cossaco, da Ucrânia. E estudos em São Petersburgo, Rússia.