Por LUIZ RECENA GRASSI
O mundo ocidental entrou o novo ano a contemplar imagem conhecida do cenário político: a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) anunciou exercícios militares ainda em janeiro. Serão os maiores desde a Guerra Fria. Muito próximos da fronteira de vários países europeus com a Rússia.
A Otan é um estorvo produzido pela Guerra Fria para enfrentar o Pacto de Varsóvia, expoente da política militar da União Soviética (URSS). Durante as negociações em busca da paz e do desarmamento entre os soviéticos e os Estados Unidos, previu-se que tanto a URSS quanto a Otan seriam extintas.
O Pacto deixou de existir. A Otan, não. Os caprichos belicosos dos yanques prevaleceram sobre qualquer intenção de paz. Bush pai, Bill Clinton e Bush filho pretextando a vontade da maioria da população e a necessidade de enfrentar o terrorismo árabe, passaram a perna em Mikhail Gorbatchev e nos dirigentes russos que vieram depois. Só não foram mais adiante por esbarrarem na figura de Vladimir Putin.
Os americanos, com o apoio dos europeus, reforçaram as políticas ofensivas e defensivas dos países satélites dos governos de Moscou. Não satisfeitos, foram cercando e reduzindo os espaços para a Rússia. Ninguém prestou atenção em conselhos dados por experientes analistas da região. “Não mexam com a Rússia, não despertem o urso quando ele está a dormir”, diziam. O processo desaguou, em menos de 30 anos, no atual conflito com a Ucrânia, que fará dois anos.
A Otan, então, apresentou-se a exibir novos músculos guerreiros e marcou o exercício, previsto para ir até maio. Por que o maior? Os números respondem: 90 mil soldados envolvidos, 50 navios de guerra, 80 caças, helicópteros e drones e 1.100 veículos de combate, incluindo 133 tanques e 533 de infantaria, segundo a aliança militar.
O exercício visa preparar os países europeus para um eventual ataque da Rússia ou outro gesto que russos façam e sejam considerados hostis ao Ocidente. Putin já reclamou, vai ficar atento às movimentações. Jens Stoltenberg, o sueco na Otan, disse que tudo é rotina. Não esconde a satisfação de comentar que os exercícios serão também um aviso a quem se atrever a provocar os países da organização. Participarão os 31 membros da Otan, além da Suécia como convidada.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, está feliz, porque não será ele o responsável por tudo, embora apoie o exercício com material bélico e propaganda contra a Rússia. As eleições nos EUA e em outros países dirão se os promotores da provocação bélica têm ou não razão.
O CORREIO SABE PORQUE VIU
Estava lá. “Nem tudo o que reluz é ouro”. O correspondente viu russos e pessoas outras aproveitando aberturas e espaços criados por Gorbatchev e sua Perestroika. Muita coisa aconteceu. Os soldados saíram do Afeganistão depois de 10 anos contra um inimigo desconhecido, financiado pelos EUA e pelo Ocidente. As famílias russas não aguentavam mais a morte de seus filhos.
Gorbatchev conseguiu, com o apoio dos alemães, encerrar a experiência militar na fronteira entre as Alemanhas. Mais de 120 mil soldados recambiados para casa, num programa de 10 bilhões de dólares aportados por Helmut Kohl e usados para emprego e moradias.
Deixar a Alemanha Oriental mostrou que os soviéticos falavam sério e limpou de obstáculos a via para a queda do muro de Berlim. Em Moscou, o Parlamento eleito sob novas regras foi palco para pacifistas e reformistas. Destaque para o físico Andrei Sakharov, que usou a tribuna para denunciar mazelas do regime. É dele a frase: “Tragam nossos meninos de volta!”.
O governo norte-americano financiou toda e qualquer iniciativa da oposição ao poder soviético. Os russos gostavam. Nina Pintova, jovem funcionária do Press Center do governo, quis tentar a sorte e foi para a América. Tinha visto de seis meses. Ao final do segundo, voltou. Nova York, sim, mas fazer sexo por dinheiro, não.
A queda de Gorbatchev e o fim da URSS coroou o esforço dos EUA. Depois do fato principal, Tio Sam deu as costas a quase todos os aliados soviéticos. Antigas repúblicas perderam o rumo; entidades de apoio, as mesadas. O capitalismo mostrou sua cara. De lá até a guerra atual, é vasto o histórico de caos e crises. O ouro brilha menos.