Artigo: É hora do descanso europeu

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Por LUIZ RECENA GRASSI, de Portugal

Pronto. Tudo pronto. Durante a semana passada, os parlamentos europeus deliberaram o que era urgência. O que não era, que poderia esperar mais um pouco, ficou para setembro, que ninguém é de ferro, nem mesmo germânicos ou gauleses.

A Península Ibérica está em sintonia fina com o resto da Europa. Cá na terrinha, ó pá, onde a dedicação ao eficiente trabalho legislativo não mata ninguém de amores, as lideranças partidárias cuidaram de planejar as próprias férias.

A maioria vai para o Algarve, outros para o Norte e destinos menos conhecidos. Todos levam livros, votos pessoais de leituras, ideias para elaborar algum projeto e apresentar na volta. Todos levam seus drinques especiais.

O comunista Jerônimo leva seu licor preferido, o Dona Cristina; enquanto o hiper extrema-direita Ventura vai para outro país, sem abandonar seu gin tônica. A líder do Bloco de Esquerda, Catarina, quer praia com vento norte, pimentões assados e o drinque? O que estiver a provocar a boca. Eclética.

Cotrim, dos liberais, quer um casa no campo, com boa cozinha, onde possa mimar família e amigos com produções gastronômicas de própria lavra. Vai ler alguma coisa, promete. O socialista Eurico, ainda que bem atrasado, garante que vai ler Don Quijote. Não era sem tempo.

O novo líder dos conservadores, Montenegro, quer ler Obama e beber vinho branco. Tudo em uma semana. Depois, vai viajar e fazer política. Os eleitores, em férias também, serão facilmente encontráveis. Detalhe: todos esses políticos e outros tinham tudo organizado, farão igual ao que foi feito nas últimas férias e igual ao que será nas próximas, sempre em agosto.

O primeiro ministro, António Costa, matreiro, antecipou as férias e já está de volta ao palácio do governo, a trabalhar. Dará certamente suas escapadelas e estará de volta. A capital vazia de políticos e intrigas. Lisboa é minha, levita em sonhos a autoridade. Não incendiará a urbe.

A natureza encarregou-se disso, tal como em Espanha, Grécia, França e outros. Fazia 92 anos que não havia tantos incêndios em Portugal. Ardem casas simples, matas e até patrimônios tombados, tipo a Serra da Estrela. Para que as férias sejam melhores, só apagando esses fogos. Os europeus precisam descansar e tudo está programado. Bastam os estragos e contratempos da guerra e da pandemia.

O Correio sabe porque viu

Estava lá. Num sábado que tem 30 anos, começo de agosto, o burocrata soviético esperou-me no aeroporto. Levou-me para a casa nova. Abriu um champanhe pouco gelado, tomou meia taça e adeus! Só no verão seguinte descobri o porque da pressa: precisava plantar. Velhas formigas trabalhando por toda Rússia para produzir e estocar alimentos.

É preciso guerra e frio para entender gente assim. Espera uns dias, disse-me o amigo conhecedor de Moscou e seus hábitos. Os dias chegaram e fomos à praça do poeta Pushkin. Um espetáculo! Homens em camiseta ou sem, calças até a canela; mulheres só com o sutiã e com alças rebaixadas, saias aos joelhos. Um festival de brancura ao sol do meio dia.

Em Petersburgo, esse sol vira e toma fôlego. As noites brancas, sem quase sombras, são capazes de levar ao delírio. Com vodka, champanhe, pepino, caviar, pão preto, não tem escapatória. É delírio, certo? Há passeios, barcos, comidas e outras atrações. O que marca, porém, é a brancura seminua exposta ao sol e as noites de sobras despejadas. Inesquecíveis.

Vicente Nunes