ARTIGO: Dólares e sangue nos pratos da balança

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Por LUIZ RECENA GRASSI

O desequilíbrio militar no front é o equilíbrio político entre os envolvidos no conflito. A aparente surra que os russos dão nos ucranianos, com algumas reações heroicas, pontuais de Kiev, reforça a ideia de que o pêndulo da guerra oscila para os lados de Moscou.

Os Estados Unidos mandam para a defesa da Ucrânia dinheiro novo, e armas, nem tanto, mas o bastante para fazer render em duas pontas: a melhora dos escores de guerra e o barulho dos bumbos da propaganda pró Volodimyr Zelensky e contra Vladimir Putin.

Não importa que, dos US$ 60 bilhões anunciados pelos yanques, dois terços fiquem lá mesmo, quitando dívidas anteriores com o Pentágono, e que, do restante, boa parte seja para os norte-americanos custearem um bem nutrido esquema de assessoria e apoio no terreno montado no começo da guerra.

Para a Ucrânia botar a mão, mesmo, sobra pouco. Mas isso não é lá muito relevante. Armas e munições reaparecem e alimentam a alma do negócio do marketing. Mísseis de maior alcance estariam sendo usados e ninguém sabe se estavam nos depósitos ou começam a chegar. A primeira suspeita vence. Não importa, o que vale é alvo atingido. Isso justificaria os meios.

O bem desenhado esquema funcionou: assim que o presidente dos EUA, Joe Biden, assinou o empréstimo, pipocaram aplausos na Europa, na Ásia, no Báltico e nos países nórdicos. O campeão da Democracia está de volta. Ponto para ele. E para Zelensky, que ganhou mais um desafio no cenário mundial do marketing político.

No front interno, o presidente ucraniano tomou três decisões: demitir um general e vice da Defesa; prender um ministro, ambos por fortes indícios de corrupção; e proibir jogos de azar nas suas tropas. Os soldados estavam a endividar-se e a desviar e vender munições, armas e até drones para pagar dívidas.

Também avançou no inusitado ao jurar vingança contra quem bombardeou o prédio público conhecido como o castelo de Harry Potter e anunciou que vai processar a Cruz Vermelha internacional por improvável apoio a Putin.

Na guerra, o avanço russo continua em várias direções com a queda de muitos povoados no caminho para Chasov Yar, um forte de resistência da Ucrânia. Vários analistas falam em queda iminente. Não apenas russos ou europeus. Um vice chefe da inteligência admitiu em Kiev que a situação é frágil e o exército não teria, no momento, como reagir.

Resta crer que o dinheiro quase novo poderá rearmar os batalhões e até incorporar novos soldados, o que está difícil de ocorrer. Enquanto isso, os russos se preparam para comemorar o Nove de Maio, dia da vitória contra o nazifascismo. Os marqueteiros do Kremlin querem um grande resultado para fazer o governo de Putin homenagear suas tropas.

No pano de fundo, uma palavra cresce a cada dia: eleições. No tempo imediato, o pleito de renovação do Parlamento Europeu, cujo ambiente não é um dócil aliado da troika de Bruxelas e menos ainda da presidente Úrsula von der Leyen. Substituições mexeriam o quadro de apoio à Ucrânia, formatado por ela, Jens Stoltenbrg, o chefe da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) e Joe Biden. Depois, virá a substituição de Stoltenberg, ainda sem sucessor.

Por fim, em novembro, a eleição dos EUA. A equipe de Biden teme. É preciso muito cuidado para contemplar aliados. Ucrânia pode ser importante, mas Israel também é. Frase simples resume: eslavos não votam; judeus votam e financiam. A primeira fatia já foi cortada do bolo de Kiev: US$ 26 bilhões foram parar em Jerusalém.

Tudo pode ser prolongado, não de forma infinita. Zelensky ameaça, grita e faz chantagem. Do que jeito que estão as coisas, não dará para segurar. Corações explodirão.

O CORREIO SABE PORQUE VIU

Estava lá. Eram animados os primeiros dias de maio na extinta União Soviética. Em Moscou, Leningrado e outras cidades, pessoas programavam pequenos festejos entre amigos. O mesmo ocorria em Minsk e em Kiev, nas repúblicas soviéticas da Bielorrússia e da Ucrânia. Um tempo em que todos conviviam. E sabiam que o Estado ajudaria na festa. E que ajuda! Uma espécie de cesta de Natal, com iguarias já proibitivas por alto custo e baixa oferta.

Dois ou três dias antes, distribuíam-se vales e, depois, era só trocá-los por pães especiais, compotas, geleias, embutidos, algum peixe defumado. E sua majestade o caviar! Pouco o preto (50g), mais farto o de salmão (125g). Os feriados eram 1º de maio, Dia do Trabalho e 9 de maio, Dia da Vitória na Segunda Guerra.

Amigos e colegas soviéticos, que sabiam das preferências do correspondente, davam suas quotas de caviar preto. Acabava-se sempre com um bom estoque, o que ajudava na interação com outros amigos estrangeiros e até com os locais. Moscou já era uma festa e russos e russas gostavam de participar. Bons tempos para iguais lembranças.

Vicente Nunes