Por LUIZ RECENA GRASSI, de Portugal
O veterano amigo e colega de Moscou não se lembra da música brasileira. Mas garante a tranquilidade local em Moscou. A aventura do grupo de mercenários Wagner e seus líderes acabou ou foi para o baú. Ao que tudo indica, não mudará de status tão rápido. A aparição do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmando que seu país nada sabe sobre o ocorrido é exemplar.
Com o passar da semana, Yevgeny Prigozhin, o líder do grupo Wagner, foi para a Bielorússia, fez uma aparição televisiva e sumiu. Seu aliado mais próximo entre os mercenários, general Sergei “Armagedon” Surovikin, o carniceiro da Síria, também sumiu. Ficou tão secreto que sequer na tentativa de golpe apareceu com algum protagonismo. Simplesmente sumiu. E Prigozhin, nunca mais. Virou herói europeu ocidental.
Em poucos dias, passou de ex-presidiário e mercenário a personagem preocupado em defender a democracia russa. O fim de semana informa que o presidente russo, Vladimir Putin, e Prigozhin deram entrevista. Quanto ao chefe do grupo Wagner, pintam-lhe nova cara no Ocidente, capaz de reduzir a força de Putin, já declarado “fragilizado” pela mídia antirrussa, com apoio da União Europeia e dos EUA. Sem confirmação.
Essas figuras ganham um novo videogame, que pode ser chamado “Onde está e o que será de Putin frágil”. Tudo isso serviu de cortina para reuniões e encontros de apoio à Ucrânia. Sempre candidatíssima a ingresso pleno na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), continuou a ver de longe o doce sonhado. Não a querem tão integrada. Os parceiros têm dúvidas e suspeitas sobre a atuação dela.
A Hungria foi longe e falou claro: não quer mais financiar a Ucrânia. Pelo menos se não souber, antes, o destino e os gastos dos 70 bilhões de euros já drenados para Volodimyr Zelensky, o líder ucraniano. A Alemanha e outros europeus importantes, com auxílio de americanos, reafirmaram disposição de apoiar a Ucrânia, mas sempre à distância.
Sem os mercenários do grupo Wagner, a guerra tende a reduzir o ritmo nas áreas onde atuavam Prigozhin e a turma dele. Por isso, há quem pense para que quer Zelensky tantos soldados de outras bandeiras. A última contagem dizia que o polonês era o segundo idioma da defesa ucraniana. E o inglês, o terceiro. Assim, muita água ainda vai correr no verão do Rio Dnieper enquanto mídia e dirigentes da União Europeia e dos Estados Unidos treinam dedos no novo videogame.
Putin frágil, Prigozhin escondido, Surovikin, em tese, desaparecido, Jens Stoltenberg com mais um mandato na Otan, a Ucrânia cada dia mais longe do grupo e Zelensky a reclamar a aliados atraso no apoio. A voz do equilíbrio é Sergei Lavrov. O ministro das Relações Exteriores da Rússia pondera que é difícil e irresponsável qualquer ataque à central de Zaporizhia. A Polônia quer bombas. A CIA quer tomar conta de tudo. O novo videogame vai dar muito jogo. Pode faltar lugar no fundo do baú.
O CORREIO SABE PORQUE VIU
Estava lá. Aprende-se muito em qualquer viagem, visitando, trabalhando, vivendo no local. Melhor nos idiomas mais fáceis. Nos mais difíceis, é pior. O correspondente em Moscou apanha bastante, a depender do que conhece ao chegar. Em história, literatura, conhecimentos gerais é possível enfrentar os fantasmas. No idioma, não.
A língua russa não tem meio termo: sabe o que quer e a palavra correspondente, ou não sabe e não consegue. O sistema das gôndolas demorou a chegar. Era direto. A história do barbeiro: parikmakher. Memorizar, difícil; repetir a pronúncia nas primeiras vezes quase impossível. Queria comprar um quilo de queijo roquefort russo, muito bom.
Aos três meses, sente-se a força e lá vai: poltaró quiló. A atendente não estava para paciências nem brincar de dicionário. Chamou a auxiliar. Mímica, dicionário, a luz: pol quiló. Não se usava mais a palavra maior. Alegria, risos e uma torta simples, da padaria, em homenagem à mulher soviética. Até o último dia fiquei amigo. Muita palavra nova aprendi. Leia sobre história e atualidade do país; arrisque no idioma. Não evidencie ignorância.