ARROCHO

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O Banco Central está convencido de que, com a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada ontem, os analistas vão se render mais rapidamente ao discurso de que a inflação vai mesmo convergir para o centro da meta, de 4,5%, até o fim de 2016. Ainda que os próprios técnicos do BC admitam que atingir tal objetivo “parece ser algo quase impossível”, uma vez que a carestia está se aproximando de 9%, todos os modelos econométricos usados pela instituição mostram que o tombo do custo de vida será forte no próximo ano.

A meta do BC, com a ata do Copom, foi consolidar a visão de que os juros vão subir até onde for necessário para que a promessa de levar a inflação ao centro da meta seja cumprida. Por mais doloroso que possa ser para a economia, que está mergulhada na recessão, a prioridade, neste momento, é retomar o controle da carestia. O BC está consciente de que, sem uma inflação mais baixa, a retomada do crescimento econômico ficará mais distante. Não há confiança de consumidores e empresários que resista à disparada dos preços.

Em recentes conversas com técnicos do governo, integrantes da cúpula do BC deixaram claro que, mesmo que o Copom dê por encerrado o aumento dos juros nos próximos meses — o mercado aposta em mais uma alta da taxa básica (Selic) de 0,50 ponto percentual em julho e outra de 0,25 em setembro, passando dos atuais 13,75% para 14,50% ao ano —, nada impedirá que, mais adiante, o arrocho seja retomado, caso a inflação saia da rota esperada.

Na avaliação do BC, dois fatores tendem a levar o IPCA para próximo de 4,5% ao longo de 2016. O primeiro deles é a retomada do controle das expectativas. O entendimento é de que, ao manter firme o aperto monetário iniciado depois das eleições presidenciais, aos poucos, os economistas foram derrubando as projeções para o custo de vida. As estimativas para 2016 estão ancoradas em 5,5% e as de 2017 e 2018 já se aproximam do centro da meta.

Outro fator que anima o BC é a redução da inércia inflacionária, que estimula os agentes econômicos a reajustarem seus preços olhando para trás. Ainda que a diminuição da inércia esteja apenas começando, o mercado passará a incorporar tal movimento em suas projeções, fazendo com que elas se aproximem das previsões da autoridade monetária. O peso menor da inércia na inflação se dará por meio do mercado de trabalho. Com o desemprego aumentando, a demanda por serviços vai diminuir e, em consequência, os reajustes de preços.

A contragosto

O BC sabe que está correndo uma maratona para levar a inflação a 4,5%. E tem noção de que a corrida só estará concluída no fim de 2016. A avaliação, porém, é de que, se o IPCA ainda atormenta, certamente, a situação estaria pior se o Copom não tivesse começado a agir em outubro do ano passado. Os índices correntes de preços estariam acima de 10% e as expectativas para 2016, 2017 e 2018, completamente desancoradas.

No entorno da presidente Dilma Rousseff, os avisos do BC foram completamente absorvidos, ainda que a contragosto. Esperava-se que, com a ata do Copom de ontem, a autoridade monetária indicasse o fim do aumento dos juros. A justificativa era de que, desde o piso de 7,25%, em vigor até abril de 2013, a Selic já subiu 6,5 pontos percentuais — um arrocho e tanto. Para o time comandado por Alexandre Tombini, porém, o trabalho está incompleto e é “preciso determinação e perseverança”.

No BC, é visível que todos gostariam que a Selic estivesse caindo, com as expectativas inflacionárias ancoradas no centro da meta. Mas, para os técnicos da instituição, de nada adiantaria derrubar os juros num quadro de inflação alta e ter que aumentá-los rapidamente. Esse vaivém foi marcante ao longo do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Por isso, a desconfiança do mercado em relação ao real compromisso da autoridade monetária de levar o IPCA para 4,5%. Nos últimos quatro anos, em nenhum momento, o BC conseguiu prever a inflação real. Sempre subestimou os índices.

Para técnicos do governo, não foi apenas o BC que errou nas estimativas de inflação. Também o mercado menosprezou a força dos reajustes de preços. E o motivo mais gritante para os desacertos foi a política fiscal. A autoridade monetária jamais viu ser cumprida a promessa do Ministério da Fazenda de entregar uma economia para o pagamento de juros (superavit primário) que jogasse contra a carestia. Além disso, demorou para que o BC e os economistas privados se dessem conta de que a economia havia criado uma bifurcação. De um lado, a indústria desabava. De outro, o setor de serviços mostrava força suficiente para derrubar o desemprego e pressionar a inflação. “Agora, todos entendem isso”, diz um dos técnicos.

Receita do desastre

No entender dos economistas que se debruçaram sobre a ata do Copom, tudo leva a crer que o BC está se redimindo dos erros recentes e reforçando sua independência para levar a inflação ao centro da meta. Mas alegam que o custo “da determinação e da perseverança” será elevado. Tanto que alguns analistas já começam a falar em queda de até 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e de pelo menos 0,5% em 2016.

O BC tem ideia do tamanho do impacto do arrocho monetário sobre a atividade. Mas alerta que todos no Brasil aprenderam que um pouquinho mais de inflação não garante mais crescimento. Na verdade, essa receita é um passo para o desastre, do qual, agora, o país luta arduamente para se livrar.

Brasília, 08h35min

Vicente Nunes