Analistas já não descartam a volta de aumento na taxa Selic em 2023

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ROSANA HESSEL

A indefinição sobre o valor do tamanho do rombo fiscal no Orçamento de 2023 que será criado por conta da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, também apelidada de PEC do Precipício ou PEC do Estouro, tem soado o alerta do mercado financeiro, que passou a colocar no radar a possibilidade de o Banco Central voltar a subir a taxa básica de juros (Selic), dependendo do volume de gastos que ficarem acima do teto. Analistas de grandes instituições financeiras no país não descartam a volta de um aperto monetário pelo Banco Central dependendo do texto apresentado e o que for aprovado pelo Congresso.

A equipe de transição do novo governo tenta fazer acordo para conseguir votos para aprovar a PEC que, inicialmente, prevê R$ 198 bilhões de despesas fora do teto, sem qualquer contrapartida do lado da receita ou de corte de outros gastos, o que impacta diretamente no endividamento público. E, com isso, obviamente, os credores vão querer cobrar mais juros, as perspectivas de inflação sobem e o real perde valor e, consequentemente, o dólar sobe diante da perspectiva de aumento do risco fiscal.

Analistas já não descartam a possibilidade de a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, continuar nesse patamar até o fim de 2023, caso o valor de despesas proposto na PEC for reduzido e ficar acima de R$ 150 bilhões, de acordo com Gustavo Arruda, economista para América Latina do BNP Paribas.

“Dependendo do formato da PEC, o Banco Central conseguirá comportar o risco de quase não cortar a Selic no ano que vem, com os valores de gastos acima do teto ficando entre R$ 120 bilhões e R$ 150 bilhões. Acima de R$ 150 bilhões, o risco aumenta. Entre R$ 150 bilhões e R$ 175 bilhões, as chances de corte na Selic em 2023 diminui. E, se os valores da PEC ficarem entre R$ 175 bilhões e R$ 200 bilhões, já começa a tornar o cenário bastante pressionado para o aumento de juros entrar em uma discussão mais complicada”, alertou Arruda, nesta quarta-feira (23/11), a jornalistas durante a apresentação das novas perspectivas globais do banco francês. A instituição manteve em 3% e 0,5% as perspectivas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro neste ano e em 2023.

Na avaliação do economista, um dos maiores problemas é o tempo de duração dessa autorização de gastos acima do teto previsto na PEC. O recomendável seria apenas um ano, que é o tempo necessário para a discussão de um novo arcabouço fiscal em 2023. “Essa autorização de maior gastos é só para permitir que o governo se organize para apresentar uma nova âncora fiscal, sabendo que ele vai ter o primeiro semestre de 2023 discutindo como fechará a conta. É o que está por trás das críticas do mercado. Estamos discutindo uma transição do lado do gasto e não do lado da receita”, alertou.

Arruda lembrou que a preocupação com o fiscal pelos mercados mudou de forma geral. No resto do mundo, os agentes financeiros também estão atentos com o fato de os governos terem aumentado muito os gastos durante a pandemia, quando havia excesso de liquidez de mercado, e não vão mais tolerar gastança indiscriminada com benefícios e subsídios sem justificativas plausíveis e fontes de receita garantidas, como aconteceu no Reino Unido, que derrubou a ex-primeira-ministra Liz Truss britânica em apenas 45 dias.

“Estamos em um mundo de gastos fiscais exagerados e o investidor está muito mais crítico. Muitos países fizeram medidas de estímulos fiscais, cerca de 80%, como queda de imposto, aumento de subsídios e entrega de dinheiro no lado da economia e, agora, eles começam a ser questionados, como ocorreu no Reino Unido. Toda política posterior mostra que o ambiente de liquidez é menor e os juros não estão mais zerados. O questionamento veio para ficar. É um ambiente diferente do que a gente viu anteriormente”, alertou.

Na avaliação de Arruda, é possível que o governo eleito pague o novo Bolsa Família de R$ 600 e o adicional de R$ 150 para cada criança com menos de 6 anos e o aumento real de 1,3% a 1,4% no salário mínimo com menos do que os R$ 198 bilhões que estavam sendo propostos. “Tudo cabe em um valor menor do que foi proposto. O importante é saber se vão discutir qual será a âncora fiscal”, acrescentou.

Rodolfo Margato, economista da XP, também admitiu que os riscos de uma nova alta da Selic, dependendo do tamanho do aumento de gastos no Orçamento com a PEC de Transição, não podem ser descartados. “Nosso cenário base é de que ainda tem espaço para corte dos juros a partir de junho de 2023, com a Selic encerrando o ano em 10%. Mas reconhecemos que os riscos estão subindo, mas ainda vamos esperar mais informações sobre a composição da equipe econômica do novo governo e a tramitação da PEC de Transição. Há muitos ruídos no radar”, alertou. “Se houver deterioração clara da política fiscal, com o montante de despesas fora do teto, isso tende a continuar pressionando as expectativas de inflação e uma dinâmica de juros mais depreciado. E o mercado discutirá um aumento de juros ou manutenção dos juros no patamar atual por mais tempo”, acrescentou Margato.

No banco Bradesco, a equipe de economistas chefiada por Fernando Honorato também está atenta a esse aumento de riscos, tanto que no relatório divulgado aos clientes alertou que o mercado passou a precificar a possibilidade do Banco Central retomar o ciclo de aperto monetário. “Em seu balanço de riscos, o Copom destaca a possibilidade de redução da inflação pela queda dos preços das commodities e por uma maior ociosidade da economia e, do lado da piora, por riscos fiscais e de deterioração de preços de ativos (taxa de câmbio). Do lado do balanço fiscal, no modelo de projeção de inflação do Banco Central há um impacto direto do resultado primário sobre a demanda agregada. A maioria dos efeitos da política fiscal ocorre apenas indiretamente, o que dificulta a tarefa de identificação por parte da autoridade monetária”, acrescentou o documento, que alertou que uma política fiscal percebida como capaz de elevar permanentemente a dívida pública pode acarretar em depreciação da taxa de câmbio.

A precificação da alta de juros do mercado, destacou o texto do banco, é compatível com uma alta de 0,5 ponto percentual na expectativa de inflação para 2023 e 2024, e de 1% na taxa de juros neutra, de 4% para 5%. “Se a taxa neutra for de 4%, com expectativas nos atuais patamares, a função de reação do BC não indica elevação da Selic no horizonte relevante para a política monetária. Ao contrário, segue prevendo cortes a partir de meados do próximo ano”, acrescentou a nota.

Vicente Nunes