RODOLFO COSTA
Com os atos constitucionais do Aliança pelo Brasil formalmente registrados em cartório nesta quinta-feira (5/12) por Admar Gonzaga, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e secretário-geral da comissão provisória do futuro partido, as atenções, agora, se voltam para a coleta das assinaturas eletrônicas. A estratégia institucional ainda está sendo alinhada pela Executiva Nacional, mas, aos poucos, algumas opções começam a ser aventadas e, outras, colocadas em prática por membros influentes. Uma delas é a busca por convênios junto a empresas emissoras das chamadas certificações digitais, a fim de obter o barateamento desses produtos, que variam no mercado entre cerca de R$ 50 a R$ 400 para os consumidores. Outra alternativa é a demanda por doações.
O certificado digital é uma espécie de documento eletrônico que permite ao detentor, seja pessoa física ou jurídica, produzir sua assinatura digital. É com ela que contribuintes poderão apoiar, eletronicamente, a formação de uma legenda, seja o Aliança pelo Brasil ou qualquer outra, de acordo com decisão tomada pelo TSE na terça-feira (3). Entretanto, essa modalidade só será aceita para fins de criação de um partido depois que a Corte estabelecer regras, ou seja, propor uma regulamentação, em julgamento ainda a ser marcado. A barreira, no entanto, não foi analisada como um empecilho por parlamentares influentes do Aliança.
A ideia é estruturar, desde agora, as etapas para a obtenção do certificado digital. A coordenação do processo será conduzida por Gonzaga e pela tesoureira da comissão provisória do Aliança, Karina Kufa, advogados do futuro partido. A deliberação da estratégia a ser adotada ficará a cargo deles, mas os dois estão bem alinhados com a ala “bolsonarista” do PSL, que apenas aguarda a criação da legenda para migrar. Os dois estão ouvindo os deputados aliados, fazendo as contas e analisando as táticas para atingir as 492.015 assinaturas digitais necessárias. A palavra final, contudo, será do presidente Jair Bolsonaro.
A quantidade de rubricas visa atender a legislação eleitoral, que exige, pelo menos, 0,5% dos votos recebidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, que deverão ser coletadas em nove estados, com o mínimo de 0,1% do eleitorado que tenha votado em cada uma dessas unidades federativas. Deputados afinados com o Aliança levantaram dados sobre o mercado de certificação digital e acreditam já ter o apoiamento necessário.
Condições
De acordo com a Associação Nacional de Certificação Digital (ANCD), 3,84 milhões de consumidores têm um certificado digital ativo reconhecido pelo Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), autarquia federal responsável por credenciar entidades que podem emitir esses documentos eletrônicos. A dúvida, contudo, é pinçar quais desses não são filiados a outros partidos — uma exigência do TSE — e quais são eleitores de Bolsonaro e assinariam a coleta eletrônica do Aliança.
Uma das estratégias estudadas seria a comunicação ao público detentor dos certificados digitais. O Aliança, contudo, corre contra o tempo. O prazo estar apto a disputar as eleições municipais, em 2020, se encerra em março. Devido a isso, alguns aliados na Câmara da futura legenda estão defendendo interlocuções junto a empresários do setor, a fim de obter convênios ou doações.
O presidente-executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB), Edmar Araújo, admite que há condições para o setor fazer ofertas de valores diferenciados.“Estamos falando de um mercado com 1.446 empresas certificadoras e mais de 27 mil profissionais aptos a proceder a emissão de certificados digitais. Dentro do princípio econômico da procura e oferta, certamente conseguiríamos atender uma demanda comercial a depender do volume demandado”, sustentou.
Gratuidade
Mesmo com o setor aberto a estudar condições diferenciadas de preços, a Soluti, líder de mercado, está ofertando gratuitamente 1 milhão de certificados digitais de forma gratuita desde a última semana. Os ruídos — dos quais vêm informações de dentro do segmento e do Congresso — apontam que a companhia decidiu ofertar por afinidade e alinhamento com o Aliança pelo Brasil. “A cúpula da empresa tem uma forte ligação com a igreja evangélica e são entusiastas da figura do presidente Jair Bolsonaro”, afirmou, ao Blog, um empresário do setor. O CEO da Soluti, Vinícius Sousa, nega as acusações (leia mais abaixo).
A oferta da Soluti está em vigor desde a última semana. No Congresso, a suspeita é de que a ação foi tomada em alinhamento com a cúpula do Aliança. A própria quantidade de 1 milhão de certificados digitais é outro fator de desconfiança, por, historicamente, representar um número almejado durante o processo de formação de um partido.
Os desafetos no Parlamento comentam que deputados da futura legenda teriam informações, com base em consultas feitas pelos advogados junto ao TSE, que a Corte colocaria o assunto sobre a coleta de assinaturas eletrônicas em pauta nesta semana. “Isso é algo que pegou muito mal no nosso mercado. Criou uma associação que é negativa para nós, que até nos mantemos isentos pois sabemos que a reação política disso pode ser ferrenha”, comentou outro empresário.
Coincidência
A Soluti garante que as suspeitas não passam de uma grande coincidência com o período da decisão do TSE. “Não existe nenhuma associação. A gente, vamos dizer, lançou essa campanha na semana passada, na Black Friday. Mas a gente, de uma certa forma, está aproveitando esse burburinho para levar informação”, declarou Sousa, ao Blog. O empresário sustenta que a oferta gratuita de 1 milhão de certificados digitais não tem qualquer ligação com uma suposta ação para, supostamente, favorecer o cadastro de apoiadores de Bolsonaro. “Não tenho nenhuma ligação com o pessoal do Aliança. Não houve procura, consulta, nada”, garantiu.
O empresário assegura, ainda, que os certificados não têm validade por tempo indeterminado. Uma vez obtidos, seus serviços poderão ser utilizados por 30 dias. “Nesse mercado, aqueles que usam mais os certificados e as assinaturas digitais, pagam pouco mais. Aqueles que usam menos, pagam menos. E foi inevitável que avançássemos nessa proposta para um modelo de free trial, oferecendo ao consumidor a oportunidade de experimentar grátis por um mês. A pessoa gostando, conhecendo, ela pode contratar pacotes de assinaturas depois desse período grátis”, justificou.
A ação busca acompanhar os próprios avanços tecnológicos. “Tudo da tecnologia caminha para esse tipo de modelo e, com a gente, não foi diferente. Fizemos em formato de campanha para aprendermos, conhecermos, ajustarmos o necessário, mas a ideia é que isso se torne permanente se tudo der certo, depois de fazermos uma série de avaliações sobre como foi a campanha”, sustentou. Sousa minimizou, ainda, as associações da companhia com a igreja evangélica. “Nada, zero, zero, zero. Devem ter dito isso porque a gente, a família sócia, é evangélica e a gente fala muito sobre a nossa fé e nossos valores. Então, devem ter feito essa associação”, explicou.
Apartidarismo
O empresário sustenta que a empresa é apartidária, mas admite que está atenta a oportunidades e, por isso, havendo uma oferta do Aliança, não descartaria uma parceria comercial. “Se houver uma procura com base em volume, logicamente a gente consegue melhorar um pouco a nossa tabela de preço final. Agora, se isso um dia acontecer, precisamos, também, consultar o departamento jurídico da companhia para entender como essas conversas devem acontecer”, destacou. Tradicionalmente, os produtos ofertados vão de R$ 49,90 a R$ 250, para um certificado de até três anos de validade.
Da oferta atual, de gratuidade, Sousa prevê que a taxa de sucesso compensará eventuais prejuízos. “Acho que vamos até o fim de dezembro, podendo, obviamente, ser ampliada”, declarou. Caso a operação não suporte ou a empresa tenha algum problema não previsto, há, também, a possibilidade de a ação atual ser suspensa, a critério da empresa. “Pode ser suspensa, assim como pode ser ampliada se entendermos que está sendo bom para a companhia”, frisou.
Serviço
A emissão de um certificado digital não é um processo complicado. Para emitir um, primeiro o consumidor deve entrar no site de uma das empresas credenciadas e fazer a compra do “voucher”. Na aquisição, a pessoa irá selecionar um dia para ir, presencialmente, a uma autoridade de registro, posto de emissão do documento eletrônico. Na data e horário combinado, o consumidor entregará os documentos físicos para que o agente de registro verifique se estão todos corretos e em dia, bem como suas autenticidades.
Após a etapa da documentação, o agente de registro fará a coleta de duas biometrias, a digital e facial, a fim de evitar falsidade ideológica. Após isso, o certificado estará pronto na mesma hora e o consumidor sairá com a documentação eletrônica. Seja um A1, documento que fica registrado no computador a um custo variando entre R$ 50 e R$ 180, ou o A3, certificado com criptografia mais segura, que pode ser portada em dispositivos móveis a um custo variável entre R$ 240 a R$ 400.