Fonte constante de preocupação do Banco Central, o dólar está jogando completamente a favor da queda da taxa básica de juros (Selic) neste momento. Havia o temor de que, com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, a moeda norte-americana desse uma forte arrancada, pressionando a inflação. Num primeiro momento, isso até aconteceu. Em 1º de dezembro último, quase um mês depois de confirmado o resultado das urnas, o dólar chegou a R$ 3,47. Desde então, a divisa só fez cair, encerrando os negócios de ontem a R$ 3,19, um recuo acumulado de 8%.
A perspectiva é de que, nesse ritmo, a moeda norte-americana ceda até os R$ 3,10 e se estabilize próximo a esse nível se nada de alarmante ocorrer nos EUA e no mundo. Mesmo com todos os problemas enfrentados pelo Brasil — uma recessão severa e mais de 12 milhões de desempregados —, os estrangeiros resolveram dar um voto de confiança. Estão despejando uma montanha de recursos no país. Somente a Petrobras captou US$ 4 bilhões no exterior. Estima-se que a emissão de títulos no mercado internacional por empresas públicas e privadas resulte em uma entrada de pelo menos US$ 30 bilhões neste ano.
Na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), os estrangeiros estão dando as cartas. O saldo da balança comercial tem se mantido extremamente positivo. Os investimentos diretos, por meio dos quais o capital externo entra na economia real, comprando ou ampliando empresas e gerando empregos, chegam a quase US$ 70 bilhões em 12 meses. Tudo isso faz com que, a despeito das incertezas provocadas por Trump, o fluxo de recursos para o Brasil se mantenha positivo e o dólar caia. É a lei da oferta e da demanda seguindo seu curso normal.
O que está por trás desse movimento, acreditam os especialistas, é a expectativa de que o governo consiga levar adiante a reforma fiscal. A aprovação, pelo Congresso, da emenda à Constituição que limitou o aumento dos gastos públicos e o encaminhamento da proposta de reforma da Previdência Social deram ânimo novo aos investidores em relação ao Brasil. Todos sabem que os resultados só vão aparecer a médio e a longo prazos, mas a disposição demonstrada até agora para arrumar as contas da União destravou as portas do mercado de crédito internacional.
Restrições
Dados coletados por analistas desde a eleição de Trump, em 9 de novembro, mostram que o real foi a terceira moeda que mais se valorizou frente ao dólar entre os países emergentes: 1,2%. Só perde para o rublo, da Rússia, com alta de 7,8%, e para o peso colombiano, que subiu 1,4%. Na direção oposta estão o peso mexicano, que despencou 14,6%, pois os investidores estão certos de que Trump imporá sérias restrições ao país vizinho, e a lira turca, que cedeu 15%.
“Esses números apontam que, na avaliação dos investidores, o que mais está pesando neste momento, quando se fala de Brasil, são as questões internas”, diz Fernando Barroso, da CM Capital. No entender dele, isso só aumenta a responsabilidade do governo de Michel Temer, que não pode recuar um milímetro sequer na promessa de ajuste fiscal. Ou seja, terá que ser rigoroso na renegociação das dívidas dos estados e quebrar todas as barreiras para que a reforma da Previdência seja aprovada ainda em 2017. “O que o país menos precisa neste momento é que o Congresso se torne uma fonte de preocupação”, acrescenta.
Para Barroso, com o dólar em baixa, o Banco Central deveria aproveitar para acelerar o passo e reduzir a taxa básica (Selic) em 0,75 ponto percentual na reunião de hoje do Comitê de Política Monetária (Copom). Com isso, os juros passariam de 13,75% para 13%, ajudando a criar um ambiente mais positivo na economia. “Sabemos que a recessão está mais pesada do que imaginávamos. É possível que o Produto Interno Bruto (PIB) já tenha atingido o fundo do poço. Juros menores, portanto, terão um impacto importante para a reativação da atividade”, afirma.
Na opinião de um técnico da equipe econômica, mesmo que o dólar venha a dar uma arrancada depois da posse de Trump, nada impedirá a trajetória de queda da inflação, o que permitirá ao BC continuar cortando a Selic. “Não há por que o Banco Central se manter cauteloso em excesso. Somente um evento muito extraordinário impedirá que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) feche o ano no centro da meta, de 4,5%”, destaca.
Brasília, 06h05min