AINDA NA UTI

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O governo aposta todas as fichas que a divulgação, hoje, dos balanços auditados da Petrobras será fundamental para reverter a onda de pessimismo que atormenta o país. A presidente Dilma Rousseff afirma, em alto e bom som, que a estatal tragada por um mar de corrupção “está limpa”. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fala em “página virada” e “início da reconstrução” da companhia. O discurso, ressalte-se, é bom. Mas está bem longe da prática. A Petrobras continua enferma, exigindo todo tipo de cuidado na unidade de tratamento intensivo (UTI).

Os balanços do terceiro trimestre e de todo o ano de 2014 vão apenas corrigir uma falha inaceitável da maior empresa do país, a principal com ações negociadas em bolsa de valores, que tem obrigação de prestar contas aos acionistas. A corrupção que tomou conta da petroleira ainda fará muitos estragos. As obras superfaturadas, que desviaram bilhões, continuarão consumindo seu caixa. O endividamento permanecerá crescente, até que recupere a capacidade de gerar receitas para reduzir a dependência do sistema financeiro. Das perdas de quase R$ 90 bilhões acumuladas nos últimos quatro anos, por causa do congelamento dos preços dos combustíveis, menos de 10% foram repostos até agora.

Não há dúvidas sobre a força da estatal para se reinventar, diz o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, que foi diretor financeiro da companhia. Ele ressalta que a Petrobras tem um corpo técnico excelente, mas é preciso reconhecer que a corrupção descoberta por meio da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, deixou a estatal em uma situação complicada, com endividamento excessivo, obras caríssimas, algumas sem necessidade. Mesmo sendo uma excelente pagadora, foi rebaixada pelas agências de classificação de risco para grau especulativo.

Thadeu afirma que há muitos percalços no caminho da petroleira, sobretudo os processos abertos por investidores na Justiça dos Estados Unidos. Não se sabe qual o tamanho do ressarcimento que a empresa terá de fazer. Acredita-se que, nos balanços auditados a serem liberados hoje, a companhia tenha provisionado recursos suficientes para cobrir as possíveis perdas. Mas a tensão permanecerá latente, principalmente pela importância que o mercado internacional de crédito tem como fonte de financiamento para os investimentos da companhia.

Na avaliação de Thomás Tosta de Sá, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e presidente do Instituto Ibmec, além dos balanços da Petrobras, há um fato muito positivo que mexerá com a percepção dos investidores, especialmente os estrangeiros, em relação à empresa e ao país: a mudança de postura da presidente Dilma. “Ela se deu conta de que o estatismo adotado no primeiro mandato foi desastroso para a petroleira e para toda a economia brasileira. A presidente entendeu que a melhor forma para o Brasil retomar o crescimento econômico é pelo livre mercado”, enfatiza.

 Tosta de Sá lembra que, com  o enfraquecimento da Petrobras, o governo minou a principal fonte de financiamento do país: o mercado de capitais. Nos últimos dois anos, com os investidores arredios, nenhuma empresa lançou ações na bolsa de valores. Com os preços das ações despencando, dezenas de companhias preferiram se retirar da Bolsa de São Paulo (BM&FBovespa). Não é só. A participação das pessoas físicas no pregão paulista, que chegou a 30% do total, caiu para menos da metade.

A perspectiva do ex-presidente da CVM é de que, a partir de agora, o governo se dê conta da necessidade do mercado de capitais como fonte de financiamento. Ele ressalta que o ministro da Fazenda prometeu lançar, em maio, um pacote de concessões de infraestrutura (portos, rodovias, ferrovias, aeroportos e energia) para tentar tirar o país do atoleiro em que se encontra.

Todos os instrumentos citados por Levy para levantar os recursos necessários às obras de infraestrutura são característicos do mercado de capitais: fundos de investimentos estruturados e debêntures, mecanismos incompreensíveis para o grande público, mas vitais para uma economia que precisa crescer. Quem sabe, diz Tosta de Sá, este não seja apenas o momento de reconstrução da Petrobras, mas, também, o renascimento do mercado de capitais, que, há 50 anos, deu os primeiros passos para ajudar o Brasil na trajetória do mundo desenvolvido. Pena que, no meio do caminho, tinha tantos governos incapazes de compreender a sua importância.

Marcaçãocerrada

» A Confederação Nacional da Indústria (CNI) não deu descanso aos parlamentares e aos assessores deles no fim de semana e no feriado. Com a perspectiva de retomada da votação do Projeto de Lei 4.330, que trata da terceirização, nesta quarta-feira, eles tiveram as caixas de mensagens inundadas por pedidos de apoio da entidade às mudanças na lei trabalhista.

Recuo navotação

» O processo de convencimento da CNI tem motivo de sobra: há sinais de que a terceirização pode não avançar no Congresso. Muitos deputados que votaram pelo sim já estão arrependidos, diante da comoção que o tema causou entre os eleitores, que temem perder benefícios importantes. O governo, por sinal, está trabalhando pesado para o projeto de lei não avançar.

Dobradinha vigilante

» Os analistas fizeram as contas e acreditam ser de 95% as chances de o Banco Central aumentar a taxa básica de juros (Selic) em 0,50 ponto percentual no fim deste mês, para 13,25% ao ano. Esse elevado nível de probabilidade se consolidou depois da dobradinha do ministro Joaquim Levy e do presidente do BC, Alexandre Tombini, nos Estados Unidos, onde se encontraram com investidores. Eles abusaram do termo “vigilante” para definir como a autoridade monetária está agindo em relação à inflação.

Terra arrasada

» Tem gente no governo assustada com a paralisia da Esplanada dos Ministérios. Nada está sendo feito de relevante ou planejado por falta de lideranças. A sensação entre os servidores é de fim de festa.

Brasília, 00h01min