A DESTRUIÇÃO DO BC

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Com as maluquices que promoveu na economia, levando o país a mergulhar na recessão e a ostentar inflação próxima de 10%, a presidente Dilma conseguiu a proeza de acabar com a eficácia das ações do Banco Central. Nada do que a instituição fizer hoje — quando deve anunciar a manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 14,25% ao ano — ou nos próximos meses terá efeito. A autoridade monetária está de mãos atadas, assistindo, atônita, o país afundar.

A situação do BC é tão desesperadora que, se aumentasse hoje a taxa Selic para conter a inflação, aprofundaria a recessão e estimularia uma onda de desconfiança quanto à capacidade do governo de honrar os compromissos da dívida. Os juros estão tão elevados que já consomem 8% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano. Como o governo não consegue economizar um centavo para pagar seus credores, é obrigado a emitir mais títulos públicos, ampliando o endividamento. Muitos chamam esse quadro de dominância fiscal.

Desde que o país conseguiu estabilizar a economia, em 1994, com o Plano Real, nunca se viu a autoridade monetária em situação tão desvantajosa, correndo o risco de ver o que lhe resta de credibilidade se esvair. Há um compromisso formal do presidente do BC, Alexandre Tombini, de levar a inflação para o centro da meta, de 4,5%, ao fim de 2016. Mas todas as projeções mostram que essa tarefa se tornou quase impossível.

Pelos cálculos de Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, para que a inflação feche o próximo ano no centro da meta, será necessário que o BC eleve a Selic em cinco pontos percentuais, ou seja, dos atuais 14,25% para 19,25% ao ano. “Mas não há como fazer isso”, diz. “Primeiro, por causa da recessão. Segundo, porque desencadearia uma onda de desconfiança em relação à dívida pública”, acrescenta. “Mas também de nada adianta subir pouco os juros, pois o efeito sobre a inflação será nulo.”

Só decepção

Na avaliação de Solange, as mãos do BC foram atadas pelo governo diante da indefinição do ajuste fiscal. A instituição contava com o cumprimento da meta de superavit primário de 1,1% do PIB para levar a inflação ao centro da meta ao fim de 2016. Além de reduzir a pressão dos gastos públicos sobre o custo de vida, o arrocho nas despesas seria um importante sinal de compromisso do governo com a arrumação das contas públicas.

Com isso, acreditava a autoridade monetária, as expectativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) dos próximos anos ficariam ancoradas em 4,5%, o que abriria, no início de 2016, as portas para um processo de corte de juros. A projeção do mercado era de que a Selic poderia ceder até os 10%, amplificando a força da economia para sair do atoleiro em que se encontra hoje. E o BC não estava errado.

Até julho, tudo caminhava para a normalização da economia. As projeções para a inflação entre 2016 e 2018 estavam se acomodando em 4,5%. Mas o quadro começou a ruir quando o governo decidiu reduzir o superavit primário deste ano para 0,15% do PIB e baixar as metas dos anos seguintes. Os agentes econômicos viram nesse gesto um indicador de que o compromisso fiscal assumido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, começava a virar pó.

A situação degringolou de vez quando o governo enviou ao Congresso proposta de Orçamento para 2016 com rombo de R$ 30,5 bilhões. A decisão, que não contou com o aval de Levy, que sequer foi ouvido, levou o país a perder o grau de investimento pela Standard & Poor’s (S&P) e a minar a capacidade de reação do Banco Central. Houve até a tentativa de enviar ao Legislativo, dias depois, um projeto com propostas para cobrir o deficit e garantir superavit de 0,7% do PIB em 2016. Mas nada andou por causa da crise política e da perspectiva de impeachment de Dilma. Para completar: deu-se início a um complô para derrubar o ministro da Fazenda.

O resultado disso, explica Solange, é que não se sabe para onde o BC vai. A instituição pode manter a Selic em 14,25% por um tempo e esperar que o ajuste fiscal seja, finalmente, posto em prática, para, então, retomar o controle da política monetária. Contudo, as perspectivas para a inflação dos próximos anos só vão piorar, agravando a recessão, estimulando o desemprego e aumentando o pessimismo dos agentes econômicos. Para 2016, a projeção do mercado para o IPCA já está em 6,22%. As de 2017, em 5% e, as de 2018, em 4,70%.

Mundo da fantasia

A situação está tão complexa e incerta, que a economista da ARX Investimentos diz que o melhor cenário com que trabalha hoje é de queda de 3% do PIB neste ano e de retração de 2% em 2016 – isso, com inflação de 10% e 7%, respectivamente. “Não descarto que, também em 2017, haja queda do PIB, com aceleração do custo de vida, porque o dólar continuará subindo. O único jeito desse quadro dramático não se confirmar é o ajuste fiscal sair, com Levy sendo fortalecido”, destaca.

O governo, porém, parece conspirar para o pior. Descobriu-se, agora, que o rombo das contas públicas é muito maior, podendo passar de R$ 50 bilhões neste ano. Isso significa dizer que será preciso um arrocho fiscal muito maior do que o prometido pelo fragilizado Levy. O deficit fiscal pode chegar a 0,85% do PIB, uma barbaridade.

Para Solange, os mercados só não reagiram mais violentamente a essa situação porque o quadro internacional está calmo, com a perspectiva de os Estados Unidos só elevarem os juros no ano que vem. Ou seja, ao menor espirro lá fora um tsunami pode abater o Brasil. Esse é o país de Dilma Rousseff, que, no mundo da fantasia em que vive, teve a coragem de dizer que não há corrupção em seu governo. A presidente, realmente, está passando dos limites do bom senso.

Brasília, 00h10min

Vicente Nunes