A BOMBA CUNHA

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Ainda que a denúncia da Procuradoria-geral da República (PGR) contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acusado de receber propina de US$ 5 milhões dentro do esquema de corrupção que saqueou a Petrobras, já estivesse no radar, um clima de nervosismo tomou conta dos agentes econômicos. Há um temor crescente sobre o que Cunha pode fazer para retaliar o governo e sobre as consequências para o país, mergulhado em uma recessão que pode durar dois anos.

Nas últimas duas semanas, os investidores tentaram se apegar no entendimento entre a presidente Dilma Rousseff e o presidente do Senado, Renan Calheiros. O anúncio da tal Agenda Brasil, que logo recebeu apoio do empresariado, fez parte do mercado financeiro acreditar que o Palácio do Planalto havia conseguido construir no Congresso um anteparo à guerra declarada por Cunha. O dólar, que vinha em disparada, refletindo a preocupação com o impacto da crise política na economia, acabou se acomodando nos R$ 3,45. Agora, com o presidente da Câmara denunciado, as incertezas voltaram com tudo.

Como ressalta do economista Eduardo Velho, da INVX Partners, estão todos à espera das peças do xadrez que serão movimentadas por Cunha. “Ele vai trancar a pauta da Câmara e inviabilizar projetos de interesse do governo? Levará adiante a pauta-bomba que destruirá de vez o ajuste fiscal? Porá em votação o impeachment da presidente Dilma? Todas essas perguntas ganham enorme dimensão diante da denúncia da PGR feita ao Supremo Tribunal Federal (STF)”, diz.

Velho ressalta que, dado o enfraquecimento de Cunha, agora vinculado por completo à Operação Lava-Jato, muitos devem pensar que o governo se fortalecerá a ponto de recompor, sem grandes traumas, sua base parlamentar. Mas o jogo não será tão simples assim. Dilma enfrenta todo tipo de rejeição. Está com o pior nível de popularidade entre os ocupantes do Planalto em quase três décadas. A sensação é de que seu governo acabou. “Diante disso, fica a pergunta: quais políticos vão querer vincular suas imagens a um governo fraco, com tantos problemas a enfrentar?”, enfatiza.

Não se pode esquecer que, independentemente das consequências da denúncia de Cunha ao Supremo, a situação da economia brasileira é muito ruim. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou ontem que o desemprego neste ano já saltou de 4,3% para 7,5%, um aumento sem precedentes para um espaço tão curto de tempo. O número de desempregados nas seis maiores regiões metropolitanas do país cresceu 56%, para 1,8 milhão.

O desemprego está mais forte no Nordeste, região que Dilma ainda acredita ter um eleitorado forte e cativo. As taxas alcançam quase 13% em Salvador. Foi justamente na capital baiana onde se viu o maior número de pessoas nas ruas protestando contra o governo entre as cidades nordestinas. Além de demissões, os brasileiros estão vendo a renda encolher. “Infelizmente, os problemas no mercado de trabalho só estão começando”, destaca Velho.

Tudo ou nada

O fantasma de Cunha se junta às incertezas criadas pelo próprio governo ante a clara mudança na linha de condução da política econômica. Na avaliação dos investidores, ao reduzir a meta de superavit primário e lançar programas de incentivo ao emprego tendo os bancos públicos como protagonistas, ficou explícito que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está mais fraco e Dilma, fazendo prevalecer ideias que vigoraram no primeiro mandato e levaram o país ao desastre.

Até mesmo dentro do governo já se fala que há duas equipes econômicas trabalhando na Esplanada. Uma, na Fazenda, sendo escanteada aos poucos. Outra, no Planalto, mais poderosa, tendo como mentor o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que faz a cabeça de Dilma. Foi ele, por sinal, quem insuflou a presidente a levar adiante a ideia de que estimular setores específicos, com crédito do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, vai resultar em retomada mais rápida do crescimento.

O fato de o governo repetir os erros do passado — num momento de grande incerteza política, com Eduardo Cunha pronto para o tudo ou nada e ainda com poder de decisão na Câmara — pode tornar o que já está ruim em algo muito pior. É pena ver que, mesmo colocando o Brasil de joelhos, trazendo de volta o desemprego, destruindo o poder de compra das famílias, Dilma continue propensa a meter os pés pelas mãos.

Comemoração palaciana

» Apesar da bomba em que se transformou Eduardo Cunha, muita gente do Planalto, inclusive Dilma, comemorou a denúncia encaminhada pela PGR ao Supremo Tribunal Federal. Mas nada fez tanto sucesso quanto o fato de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedir 184 anos de prisão para o presidente da Câmara.

Fim de um ciclo

» Quem passou pelo Banco Central nos últimos dias saiu com a certeza de que o processo de alta da taxa básica de juros (Selic) chegou mesmo ao fim. A sensação dentro da instituição é de que nem uma nova alta do dólar será suficiente para comover os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) a elevarem a Selic além dos atuais 14,25% ao ano.

De mal a pior

» O Planalto sentiu o baque da disparada do desemprego e já dispõe de projeções indicando que a taxa, que cravou 7,5% em julho, pode passar de 10% logo no início de 2016.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes