Os relatos colhidos junto aos 230 entrevistados são assustadores. Um mulher afirma que, ao ter contato com o dono de um imóvel, ouviu dele que não alugava para brasileiros, “porque são muitos sujos e estragam tudo, e muitas brasileiras vêm trabalhar (em Portugal) como putas”.
Um homem que procurava um quarto para arrendar conta que a proprietária da casa ressaltou que “jamais alugaria um quarto para um negro”. Não satisfeita, ela ainda fez ameaças, dizendo que tinha “uma arma em casa e que já havia mandado matar pessoas”.
Maioria dos imigrantes tem curso superior
A maioria das pessoas que responderam aos questionamentos feitos pela Casa do Brasil tem nacionalidade brasileira: 91.3%. Do total dos respondentes, 74,4% são mulheres. Uma delas diz que sofreu xenofobia e assédio ao tentar alugar um quarto.
“O senhorio me propôs ficar com ele em troca do aluguel. Ele afirmou que as brasileiras são rabudas e safadas, e que gostaria de ficar com uma pretinha”, escreveu ela.
O levantamento coordenado pela vice- presidente da Casa do Brasil, a cientista política Ana Paula Costa, aponta que os estrangeiros vítimas de xenofobia e racismo são, em maior parcela, pessoas com qualificação, com autorização de trabalho e de estudo em Portugal. Quer dizer: 73,5% têm ensino superior completo.
Outro dado: 61,7% se dizem brancos. Mais: 38,3% são casados. O maior índice de discriminação a imigrantes, quando o tema é moradia, está em Lisboa, com 58,7% dos casos, seguida por Porto (19,7%), Braga (4,3%), Setúbal (3,9%), Coimbra (3%) e Faro (2,3%).
Telefone desligado na cara e cauções em excesso
Em vários casos, as negociações envolvendo aluguel para estrangeiros param no primeiro contato por telefone. Ao ouvirem o sotaque dos imigrantes, os donos dos imóveis ou representantes de imobiliárias interrompem as ligações, desligam na cara dos interessados.
Os que aceitavam conversar dizem que os imóveis já estão alugados. Mas, se um português ligar a pedido do imigrante, descobre-se a mentira, que o imóvel continua disponível para arrendamento.
Em outros casos, são feitas exigências extras, como caução de até 12 meses de aluguel, apesar de a lei portuguesa definir que, no máximo, os donos de imóveis podem pedir dois aluguel adiantados como garantia. Alguns proprietários chegam a pedir dois ou mais fiadores.
Bancos também alijam imigrantes
A discriminação também está presente na hora de comprar imóveis. Mesmo que os imigrantes tenham dinheiro para fechar a transação, há portugueses que não aceitam vender as residências para quem vem de fora.
Em muitos bancos, o quadro não é diferente: a negativa para financiamento imobiliário á quase regra quando o interessado for estrangeiro. As instituições financeiras alegam que há riscos elevados nessas operações.
É verdade que Portugal vive, como muitos países da Europa, uma crise imobiliária sem precedentes. Ao longo de anos, não houve investimentos necessários na área habitacional. Mesmo os portugueses têm sofrido com a escassez de residências para alugar e com os elevados preços de casas e apartamentos.
Os estrangeiros, porém, acabam por enfrentar problemas ainda maiores, pois à crise imobiliária são somados a xenofobia, o racismo, a misoginia e o preconceito em relação à orientação sexual.
Gays e trans enfrentam discriminação extra
Um participante da pesquisa, que é gay, afirma que foi ver um imóvel com o marido e, quando encontrou o corretor, o profissional ficou visivelmente irritado pelo fato de os dois serem brasileiros e por formarem um casal homossexual.
“São comuns os casos de discriminação tendo como fator a nacionalidade, o gênero, a orientação sexual e as origens étnico raciais das pessoas migrantes”, enfatiza um trecho da pesquisa.
O levantamento da Casa do Brasil revela ainda que, no caso de imigrantes trans, praticamente não há conversa para se alugar um imóvel, empurrando essas pessoas para a vulnerabilidade social.