Lisboa Brasileiros e demais imigrantes reclamam das novas regras definidas pelo governo de Portugal para a regularização de documentos

A real de Portugal: brasileiros temem armadilhas do governo na regularização de documentos

Publicado em Economia

Por PRISCILA CORRÊA, advogada especializada da imigração

 

Tinha tudo para ser uma ótima notícia. Mas acabou por se mostrar um “cavalo de Tróia”, tal como a armadilha da criação da autorização de residência por meio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Agora, a população imigrante, em especial, os brasileiros, está às voltas com um novo embuste.

 

A notícia da nova modalidade de análise sobre a residência por meio da Manifestação de Interesse, conhecida de muitos imigrantes, caiu como uma bomba. A felicidade momentânea logo deu lugar ao pânico: “Tenho 10 dias para pagar quase 400 euros ou terei meu processo cancelado, doutora”.

 

Esse foi o apelo que ouvi de diversas pessoas que receberam e-mails da Agência para a Integração, Migrações Asilo (Aima) nos últimos dias, em resposta às notícias sobre uma “modernização” nas análises de processos pendentes.

 

Por acaso, algumas dessas pessoas são as mesma que pagaram há cerca de um ano e três meses por uma autorização de residência via CPLP nascida no engano? Como todos sabem, esses títulos arrastam hoje inúmeros problemas, como a ausência de protocolo de renovação, a impossibilidade de reagrupamento, o impedimento de viajar para fora de Portugal e até mesmo de voltar a seus países de origem com a garantia de nova entrada segura em Portugal, onde efetivamente vivem.

 

Apesar de a Portaria 307/2023 garantir a isenção de certas taxas aos imigrantes da CPLP, essa isenção nem sempre vem sendo respeitada. E, nesse caso, o que fazer? Paga-se e depois haverá restituição? De que forma?

 

Existem ainda os casos de erros sistêmicos, nos quais imigrantes estão recendo e-mails direcionados a outras pessoas, com dados diversos, e mesmo aqueles que já têm residência e aguardam a renovação da documentação receberam a dita cobrança: um completo caos!

 

Mas analisemos o contexto de toda a população imigrante que aguarda residência. Parece que o drama desse povo sempre pode piorar. Se, por um lado é excelente uma aceleração das análises e o encurtamento do tempo de espera, por outro, a forma como a notícia caiu e sem qualquer preparação da população interessada acabou por ser uma verdadeira armadilha.

 

É preciso considerar que 80% da população em Portugal ganha cerca de 820 euros por mês e, entre os imigrantes, esse índice é de mais de 95%. Portanto, quem tem disponível quase 400 euros livres para pagar taxas? E, ainda pior, sob pena de ter seu processo pelo qual espera a residência há mais de 2 anos sumariamente cancelado.

 

A Aima já admitiu que a notícia foi precipitada e que gerou medo na população e, em consequência, fez sobrecarregar o atendimento das lojas, mas, a despeito do transtorno, nenhuma medida foi tomada para gerar maior esclarecimento na população.

 

Não bastasse esse ato de covardia, o exame das taxas publicadas pelo próprio órgão não correspondem aos valores que estão sendo cobrados. Não se sabe sobre como serão feitas as análises, se haverá prazo garantido pela lei para eventual apresentação de documentos faltantes ou, uma vez que a atualização seja feita, o agendamento está de facto garantido.

 

Todas essas questões são uma incógnita que nenhum responsável hoje pelas lojas Aima foi capaz de responder. Estive em três locais de atendimento buscando respostas, e a frase que ouvi foi: “Ainda não sabemos de nada. Isso é um assunto da central. Não fomos informados”.

 

Infelizmente, como já sabemos, qualquer tentativa de contactar a Aima é inútil, já que as comunicações via central de atendimento nunca logram êxito e os e-mails também são ignorados.

 

O mais interessante é o argumento dado pelo governo, de que o pagamento antecipado da taxa visa à celeridade do atendimento. Pura falácia. Quem conhece o sistema de entrevista da agência sabe que o tempo dedicado ao pagamento não toma mais que dois minutos. Enquanto à espera pelo atendimento tem sido de anos.

 

No mais, esse embuste de “atualização de dados” também não procede, já que todos os documento já foram devidamente apresentados quando os pedidos de residência constaram do Portal SAPA. A eventual “desatualização” é obra da inércia do SEF/Aima e não pode ser imputada ao cidadão imigrante.

 

A ideia que se tem das poucas informações divulgadas é que o candidato à residência chegará à loja apenas para tirar a foto e recolher a biometria, já que absolutamente tudo será apresentado de antemão. Mas e quanto à conferência dos originais? É isso que, de fato, toma tempo.

 

E na falta de documentos válidos, o imigrante não seria induzido a pagar a taxa, e sim corrigir seu processo, e ter outra oportunidade de atendimento? O que não parece que irá ocorrer a partir de agora. Além de o dinheiro não ser devolvido, não está clara a forma de corrigir eventuais ausências.

 

Por fim, não podemos esquecer que essa é a mesma população que recolhe impostos sobre rendimentos, contribui para a Segurança Social, e a maioria deles sequer tem um número de utente desde que se instalou no país, não tem direito ao abono de família e os que, eventualmente, receberam estão com os dias contados, diante da falta de protocolo para renovação das ditas residências CPLP.

 

Paralelo a isso, já sabemos que somente nos dois primeiros dias após a remessas dos e-mail por parte da Aima,, quase 3 milhões de euros foram arrecadados, considerando a taxa mínima de 56 euros.

 

Os abusos vêm de todos os lados, e os diretos nunca são respeitados. Mas o dinheiro do imigrante é sempre bem aceito. É o Estado português a ignorar sumariamente a constituição. Enquanto isso, ficamos por aqui, à espera de novos desembaraços, porém, nunca silenciados perante as afrontas desse desgoverno que se instalou em Portugal.