“A prioridade é a meta de inflação”, reforça Campos Neto

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ROSANA HESSEL

Diante da escalada da inflação neste ano que está fazendo o mercado revisar semanalmente as previsões para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para cima, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fez questão de frisar que o principal objetivo da autoridade monetária continuará sendo controlar a alta dos preços Apesar de duplo mandato previsto na autonomia — aprovada neste início do ano pelo Congresso Nacional e que também prevê uma preocupação maior com a atividade econômica — o ministro reforçou que o BC continuará focado no controle da inflação.

“O mandato está bem claro que a propriedade é a meta de inflação”, afirmou Campos Neto, nesta quinta-feira (24/06), ao ser questionado pelo Blog sobre o assunto durante videoconferência com jornalistas para comentar o Relatório Trimestral de Inflação (RTI), que foi divulgado com novas projeções do BC para o cenário macroeconômico.  Ele acrescentou que o BC tem alguns “objetivos secundários” e voltou a afirmar que o BC vai utilizar “todos os instrumentos” disponíveis para cumprir a meta de 2022, afim de ancorar as expectativas do mercado.

Na última quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juros e reconheceu que as pressões inflacionárias neste ano não são temporárias e mudou a estratégia de ajuste monetário parcial, sinalizando que não deverá interromper o ciclo de alta da Selic, iniciado em março, ao longo deste ano, deixando claro essa preocupação do BC com a alta desenfreada dos preços.

No documento divulgado hoje, o BC elevou de 3,6% para 4,6% a previsão de crescimento no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, abaixo da mediana das previsões do mercado, de 5%, e ainda alertou para o aumento dos riscos inflacionários em função da crise hídrica, que acaba de entrar no radar e terá impacto também nos preços de 2022.

O BC elevou de 5% para 5,8% a projeção de inflação para dezembro deste ano, acima do teto da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 5,25%. A autoridade monetária passou a prever 74% de probabilidade para o estouro do teto da meta. Para 2022 e 2023, as projeções para o IPCA do BC passaram para o custo de vida ficaram em 3,50% e 3,3%, respectivamente. Enquanto isso, as metas são decrescentes passando de 3,75%, neste ano, para de 3,5%, em 2022, e para 3,25%, em 2023.

Campos Neto ainda reconheceu que a inflação dos mais pobres neste ano está rodando em patamares bem acima da média do IPCA, em torno de 9%, recentemente, refletindo não apenas a alta dos dos preços dos alimentos, mas também da energia. “A inflação das classes mais baixas tem rodada acima da inflação média em torno de 9%”, frisou.

Ao ser questionado sobre o processo questionando a autonomia do BC que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e cujo julgamento deverá ser retomado amanhã (25/06), Campos Neto evitou fazer comentários sobre o assunto. “Não comentamos sobre decisões judiciais”, frisou o ministro, defendendo a importância da conquista da autonomia do BC.  “Nós entendemos que é um grande ganho funcional, que faz com que, no longo prazo, a volatilidade da inflação seja menor e, com inflação mais baixa, permitam juros estruturais mais baixos no longo prazo”, afirmou.

Preocupação com o fiscal

Apesar do cenário fiscal relativamente favorável, apontando queda na dívida pública bruta neste ano, em grande parte, devido à inflação mais alta — porque ajuda a aumentar a base do cálculo, que é o PIB Nominal –, Campos Neto reforçou os alertas do RTI sobre a preocupação com as ameaças ao teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação anterior –, em 2022.  “A mensagem não é só inflacionária, mas temos um arcabouço do teto de gastos que tem sido desafiado com frequência. Temos um ano de eleições pela frente e entendemos que, apesar da trajetória da dívida vivendo números melhores, isso (ano eleitoral) é um risco de possível rompimento do teto e de aumento de gastos”, alertou. Segundo ele, as projeções do BC já incorporam, por exemplo, um reajuste nos salários dos servidores no ano que vem.

Durante a apresentação do Relatório de Inflação, Fabio Kanckzuk, diretor de Política Monetária do BC, reconheceu que, ao contrário de março, as previsões do BC passaram a ser mais conservadoras e admitiu que choque de preços, no momento, não é de demanda, e, por conta disso, as recentes altas na taxa dos juros básicos (Selic) acabam não surtindo efeito na inflação diretamente. “Se o choque é de oferta, a política monetária só vai combater os efeitos de segunda ordem”, acrescentou. Ele reconheceu, inclusive, que há muita incerteza sobre a inflação de serviços e como ela vai se comportar no segundo semestre.

Pelas projeções do cenário base do BC, considerando o câmbio em R$ 5,05, a Selic deverá encerrar o ano em 6,25%, passando para 6,5% no ano seguinte. Algumas previsões do mercado já estimam a Selic acima de 6,5% no fim deste ano, taxa considerada limite para os juros neutros, ou seja, deixando de estimular a atividade. De acordo com Kanckzuk, o cenário inflacionário de 2022 considera um prolongamento da crise hídrica, com a manutenção da bandeira vermelha 1 até dezembro. Contudo, o cenário não contabiliza mudanças na política monetária dos Estados Unidos, cuja antecipação da alta dos juros ainda no ano que vem, como prevê alguns bancos, poderá afetar o mercado de câmbio e o mercado interno.

Vicente Nunes