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A Lava-Jato cegou a razão e empurrou o Brasil para Bolsonaro

Publicado em Economia

ANTONIO MACHADO

 

O noticiário foca, e não erra ao fazê-lo, a inépcia do presidente Jair Bolsonaro, magnificada pelo seu aberrante comportamento diante da pandemia do sars-cov-2, vulgo covid-19. Só que ele é o que parte da sociedade quis que fosse, ainda que hoje renegue sua escolha. A Lava-Jato, alavancada pela imprensa, é responsável por isso. Ela impediu que se visse que governança pública obsoleta, implicando a disfuncionalidade das instituições, gerou e ainda gera a corrupção.

 

Corrupção sistêmica é como metástase de uma organização — funciona sem chefe nem hierarquia, ao contrário da narrativa lavajatista que implicou a criminalização da política. A Lava-Jato arrastou todo o setor de construção pesada à ruína, em vez de apartar a responsabilidade de seus sócios e executivos do controle das empresas responsáveis por largo pedaço do produto interno (PIB) e do emprego, em especial, da mão de obra menos qualificada empregada em obras de infraestrutura.

 

Em 2017, uma minuta de projeto inspirado pela experiência do Banco Mundial em situações semelhantes em outros países foi apresentada a parlamentares e a ministros do governo para resolver os acordos de leniência. O projeto permitia à Justiça incluir mandatoriamente ou não a transferência de controle das empreiteiras, ficando com seus controladores originais os passivos contaminados. Era o jeito de a empresa ser salva, assim como as obras estruturantes a seu cargo. O ambiente punitivo da Lava-Jato impediu a iniciativa de prosperar.

 

A indústria sucateada

 

No Brasil estamos assim: ideias diferenciadas são descartadas e as inovações, nem são consideradas. A mais grave omissão é o que se fez com o planejamento das ações típicas de Estado, como a segurança, a saúde, a educação e a equidade federativa, todas em situação de crise, e, no setor privado, com a indústria. Ela representa 11% do PIB, contra 33% duas décadas atrás, mas ainda é responsável por 36% da arrecadação total de impostos e os empregos mais bem remunerados.

 

Sem indústria, país algum tem relevância e atrai capitais — seja a cidade-estado de Cingapura, seja colossos como China, Índia e Estados Unidos. O governo Joe Biden tem na revitalização da indústria um dos eixos de sua política para manter a liderança dos EUA. A indústria norte-americana se limita hoje a 11% do PIB e a 8% da força de trabalho, segundo estudo recente do McKinsey Global Institute, mas se devem a ela 60% das exportações, 70% da pesquisa e desenvolvimento, 55% das patentes, 20% do estoque de capital, sendo o principal suporte das economias regionais e da vitalidade das pequenas e médias empresas. No Brasil é semelhante. O tema está na agenda do industrial Josué Gomes da Silva, próximo presidente da Fiesp (a eleição com chapa única será em 5 de julho).

 

Como chegar vivo a 2023

 

É visível a olho nu a dissolução das relações econômicas, sociais, institucionais e políticas. O quadro aterrador de mortes, boa parte devido à negligência federal — tema da CPI no Senado, apesar da má vontade de Bolsonaro e das pressões sinistras de senadores ligados ao governo —, tem relação com o fato de estarmos em abril sem que a lei orçamentária de 2021 tenha sido sancionada. Dê um nome a isso.

 

O que virá nas próximas semanas e meses não será diferente do que tem acontecido. As atenções se voltam ao que poderá ser em 2023, o que passa pelas próximas eleições. Diminui o risco de Bolsonaro se reeleger. Mas ainda falta candidato não bem para substituí-lo, mas com visão, liderança e programa capaz de recuperar o tempo perdido.

 

A reconstrução demandará uma nova macroeconomia, outra governança do Estado brasileiro, envolvimento do empresariado local e externo. Poderia ser agora, se houvesse um governo minimamente organizado. Como não há, a transição dependerá de mão firme do Congresso, para o caldo não entornar, grandeza dos líderes que restam… e rezar.

 

Brasília, 20h33min