APOSENTADOS DEVEM QUASE R$ 90 BI AOS BANCOS

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POR ANTONIO TEMÓTEO E MARLLA SABINO

 

Conquistar a tão sonhada aposentadoria não garante vida tranquila a milhares de brasileiros. A falta de planejamento e, muitas vezes, de conhecimento, além da carestia, impediu que poupassem na idade ativa para custear o aumento de gastos na velhice. A queda na renda após o requerimento do benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) faz com que precisem recorrer a empréstimos para fazer frente às despesas com remédios, planos de saúde e até mesmo para pagar despesas básicas. E o que é pior, em meio à crise econômica e ao desemprego crescente, alguns idosos passaram a sustentar a família.

 

Essa realidade fica clara quando são analisados os indicadores de crédito. Apesar de os dados do Banco Central (BC) apontarem que o estoque de financiamentos está em forte desaceleração — nos últimos 12 meses encerrados em fevereiro, houve crescimento de apenas 5,3% e, somente no primeiro bimestre, encolheu 1,1% — o consignado para aposentados e pensionistas do INSS mantém expansão na casa de dois dígitos. Entre março de 2015 e fevereiro deste ano, acumulou alta de 12,4%. Nesse período, o total de empréstimos passou de R$ 81,2 bilhões para R$ 89,6 bilhões. Apenas em janeiro e fevereiro, a elevação foi de 4,3%.

 

O aposentado Francisco Martins Ferreira, 75 anos, recorreu ao consignado para reduzir o gasto com juros do cheque especial, que em fevereiro chegou a 293,9% ao ano. Ele admite que não é organizado financeiramente, nem mesmo a renda extra que recebe com o aluguel de um imóvel tem sido suficiente para custear todas as despesas. “Avancei o sinal e fiz muitas dívidas, prefiro dever o consignado, que tem parcelas mais baratas. Com a crise, reduzi o aluguel em 15% para manter a renda. O custo de vida está muito alto e os gastos só aumentaram nos últimos anos”, conta.

 

Cuidados

 

Os especialistas advertem para o perigo de parte significativa da aposentadoria acabar destinada ao pagamento de parcelas de consignado. Além disso, é preciso que os beneficiários do INSS fiquem atentos aos limites legais para contratação do crédito, definidos pelo Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS).

 

Os juros mensais não devem ultrapassar 2,34% no empréstimo e 3,36% nas operações realizadas por meio de cartões de crédito. O financiamento pode ser contratado em, no máximo, 72 parcelas, sem comprometer mais do que 35% da renda. Anteriormente, o máximo chegava a 30%, mas o adicional deve ser usado, exclusivamente, para o pagamento de despesas com cartão de crédito.

 

O economista Ricardo Rocha, professor do Insper, explica que, diante da crise econômica, a renda dos mais velhos acaba por segurar o orçamento familiar. “O desemprego tem levado filhos e netos a apelarem aos avós para manter em dia a mensalidade da escola ou a prestação do carro ou da casa própria, muitas vezes por meio de empréstimos consignados”. Ele alerta, no entanto, que tomar financiamentos para terceiros é arriscado, sobretudo para quem não tem fonte de renda. “Embora o envolvimento emocional possa justificar a decisão do aposentado, as vezes, negar é a melhor escolha para evitar um problema futuro”, afirma.

 

Na avaliação de Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste, os idosos não devem comprometer parte significativa da renda com consignados porque as despesas aumentam com a velhice. Ela destaca que as operações só devem ser contratadas em extrema necessidade e sem ultrapassar os limites de renda definidos por lei.

 

Riscos

 

Com o aumento do risco de inadimplência diante da alta do desemprego, as instituições financeiras têm sido mais seletivas na hora de aprovar os pedidos de financiamento. A exceção é para consignado de servidores e beneficiários do INSS, público que tem renda garantida.

 

A planejadora financeira e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), Myrian Lund, explica que a redução da oferta de crédito para trabalhadores do setor privado direcionou a atenção dos bancos para esse público, mas alerta que aposentados e pensionistas da Previdência Social devem resistir ao assédio dos bancos.

 

O aposentado Antônio dos Anjos, 76, conta que sempre recebe ligações de instituições financeiras oferecendo operações com desconto em folha de pagamento. “Tenho dito reiteradas vezes que não estou interessado. Prefiro fazer compras à vista e, se o valor é maior, prefiro economizar até ter condições de pagar de uma vez só”, afirma.

 

Já o aposentado Antônio Alves Azevedo, 74, conta que pagará por alguns anos os empréstimos tomados assim que parou de trabalhar. “É assim, a gente faz uma dívida para pagar outras”, justifica. Ele comenta que o custo de vida aumentou significativamente desde que passou a receber o benefício do INSS. “O dinheiro só dá pra comer. Nunca pensei que chegaria a esse ponto”, reclama.

 

Na contramão de boa parte dos beneficiários do INSS, o aposentado Valmir Silveiro, 57, se preparou para evitar problemas financeiros durante a velhice. Sempre guardou parte do salário na poupança para não precisar recorrer a financiamentos depois que parasse de tralhar. “Tem que se preparar para se aposentar. É uma diferença grande no salário”, afirma. Ele diz que a renda encolheu R$ 4 mil. “É melhor fazer o sacrifício de poupar um pouco todo mês”, sugere.