DESCASO E CINISMO

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Nada é mais emblemático para definir o desastre do governo Dilma Rousseff na economia do que o desemprego. Apenas nos dois primeiros meses deste ano, 204 mil vagas com carteira assinada foram destruídas. É um contrassenso para uma administração que colocou o emprego como prioridade e inaceitável para um partido, o PT, da presidente da República, que sempre se disse defensor dos trabalhadores. Não há histórico nos cadastros do Ministério do Trabalho e da Previdência Social de fechamento de tantos postos formais em tão curto espaço de tempo.

 

Há, dentro do governo, quem diga — e, pior, acredita — que as demissões em massa são culpa dos golpistas que defendem o impeachment de Dilma. No entender desses, ao tramarem para surrupiar o mandato da presidente, seus adversários levaram o Brasil à paralisia. Prefiro considerar esse tipo de declaração como pura ignorância do que classificá-la de má-fé. Não é preciso ser nenhum entendido em economia para ver o quanto a petista fez para levar o país à beira do abismo. Ela destruiu todos os pilares da estabilidade, estraçalhou as contas públicas, trouxe de volta a inflação, acabou com a confiança das empresas e minou o poder de compra das famílias.

 

Só a disparada do aumento do desemprego, que está longe de atingir seu ápice, já seria motivo de sobra para justificar tanta insatisfação em relação ao governo. Mas, em meio aos equívocos econômicos, que resultaram na maior recessão em quase um século, o país foi apresentado à fatura da corrupção na Petrobras. Em apenas dois anos, a estatal foi obrigada a dar baixas contábeis de quase R$ 100 bilhões oriundos de desvios e superfaturamento de contratos, dinheiro que poderia estar contribuindo para o avanço dos negócios da empresa e o crescimento do país.

 

Boa parte dessa roubalheira teve a construtora Odebrecht como líder. Descobriu-se, por meio da Operação Lava-Jato, que a empreiteira tinha um “departamento para propina”. Funcionários da empresa, com salários elevadíssimos, só cuidavam de planilhas para distribuir recursos e corromper, e, assim, garantir contratos com a petroleira e fatias importantes em obras governamentais, inclusive de estados. A percepção da Polícia Federal é a de que a Odebrecht funciona como uma organização criminosa, disposta a sugar o que puder dos cofres públicos.

 

Capitalismo de quadrilhas

 

É difícil se deparar com tantos disparates e não apontar o dedo para o governo. O país está numa situação dificílima e nada de concreto é feito para reverter esse quadro. A presidente está sitiada, dedica todo o seu tempo para tentar manter o mandato. A equipe econômica, infelizmente, não mostra nenhum compromisso com o equilíbrio fiscal, que, se colocado no radar, ajudaria a desanuviar um pouco o horizonte. Ontem, informou que contingenciará mais R$ 21 bilhões do Orçamento da União. Mas só está fazendo isso porque não tem mais de onde tirar receitas.

 

Tudo indica que, apesar dessa tesourada paliativa, o buraco nas contas do governo será espantoso. Na média, o mercado projeta um buraco aproximado de R$ 80 bilhões. É um absurdo se considerado que, em 2015, o rombo foi de R$ 111,2 bilhões por causa das pedaladas fiscais que podem custar o mandato de Dilma. As manobras fiscais cometidas pela presidente são a base do processo de impeachment que tramita na Câmara dos Deputados.

 

Se não podemos esperar mais nada de sensato deste governo, também não vemos nenhum compromisso da oposição com um projeto para tirar o país do atoleiro. Como bem ressalta o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, as medidas necessárias para mudar a rota do Brasil não cabem em nenhum partido. São reformas estruturais que mexem com interesses corporativos enraizados. Os políticos, independentemente da ideologia ou da coloração, não querem comprar briga com os eleitores, mesmo sabendo que não há outro caminho a seguir.

 

Na avaliação de Franco, o quadro atual explicita um fracasso econômico e moral de proporções “bíblicas”, diretamente relacionado ao modelo de governo que classifica como “petismo desavergonhado”. Para ele, o momento pelo qual passa o país é característico de um conceito filosófico importado da Rússia e da China, o “capitalismo de quadrilhas”, no qual há uma relação entre o setor público e o setor privado mediada por um partido político.

 

Enquanto os desmandos se propagam e a economia afunda, a população paga um preço elevado. O desemprego é só um deles. Num país em que a ética saiu de cena e o cinismo e o descaso comandam o show, a população se sente totalmente desprotegida. Não custa lembrar que um órgão do governo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revelou ontem que o Brasil registrou 59.627 homicídios em 2014, liderando o ranking mundial. O país já responde por 10% dos assassinatos registrados em todo o planeta. Não precisa dizer mais nada.