Coluna no Correio: Tempos muito estranhos

Compartilhe

O presidente interino, Michel Temer, não escondeu a frustração com a sua imensa rejeição junto do eleitorado, mostrada pela primeira pesquisa liberada desde que ele tomou posse, mas, para os agentes econômicos, o que menos o peemedebista deve se preocupar neste momento é com popularidade. O que importa, na visão de empresários e investidores, é a força do governo no Congresso. Temer tem que mostrar poder para aprovar medidas que possam tirar o país da recessão. Qualquer coisa fora disso é bobagem, dizem os donos do dinheiro.

Foi justamente por aderir ao populismo para aparecer bem nas pesquisas que Dilma Rousseff está prestes a perder, definitivamente, o mandato. Ela não poupou nos malabarismos para criar um país de ficção, no qual prevaleceram pedaladas fiscais e intervenções em preços importantes como os da energia elétrica e da gasolina. Por um bom tempo, conseguiu enganar a maioria da população. Mas tão logo a realidade foi se impondo, os índices de aprovação despencaram. A petista saiu do Palácio do Planalto como a presidente mais impopular da história.

Temer chegou justamente ao poder pelo apoio que construiu no Congresso. E é preciso que mantenha essa força para aprovar medidas que não têm qualquer apelo popular — muito pelo contrário. A aprovação, ontem, em segundo turno na Câmara dos Deputados do aumento da desvinculação de receitas da União (DRU), de 20% para 30%, foi uma sinalização importante, mas é certo que essa batalha é a menor de todas a serem enfrentadas pelo presidente interino.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que impõe um teto para o aumento de gastos públicos dará a real dimensão da solidez da base parlamentar que Temer acredita ter construído no Legislativo. A PEC mexerá com muitos interesses, inclusive com o de servidores públicos, que estão no centro de uma polêmica devido ao reajuste que deve ser votado pelo Senado e custará quase R$ 100 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional até 2019. Se prevalecer o que foi, tardiamente, prometido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o funcionalismo não terá mais ganho real nos salários.

Porteira dos gastos

O governo Temer completará um mês no próximo domingo ainda sem nada de palpável para entregar. A perspectiva é de que nada avance muito rápido até agosto, quando o Senado deve decidir sobre o impeachment de Dilma. O peemedebista precisa ter a certeza do mandato definitivo para comprar brigas. Esse, pelo menos, é o discurso de seus auxiliares mais próximos. A reforma da Previdência, por exemplo, só deve chegar ao Congresso depois das eleições municipais, em outubro. A proposta de reforma trabalhista ficará para mais tarde ainda.

Antes, o peemedebista precisa desfazer entre os parlamentares e os agentes econômicos a percepção de que o governo abriu a porteira dos gastos. O apoio explícito do Planalto ao reajuste dos servidores e à ampliação em mais de R$ 38 bilhões dos gastos ao longo deste ano deu a impressão de o que discurso fiscalista pode se tornar propaganda enganosa. Sem um processo forte de convencimento, Temer deve enfrentar muita resistência à PEC do limite de gastos. “Estamos vendo um discurso muito diferente da realidade”, diz um senador da base aliada. “Está tudo muito estranho”, ressalta.

Está tão estranho que, anteontem, depois de sair de um encontro com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que ambos não haviam tratado sobre reajustes de salários. Não só trataram como fizeram um acordo. Em vez de os ministros do STF terem aumento de salário, o que elevaria o teto do funcionalismo para R$ 39.293 por mês e provocaria um efeito cascata desastroso nas contas de estados, eles receberiam a diferença de R$ 5.530 por meio de gratificação.

Não há dúvidas de que esse acerto, sancionado pelo Planalto, provocará fortes reações, pois uma camada grande de servidores — juízes e procuradores, por exemplo — deixará de ter os vencimentos aumentados. A insatisfação já era grande ontem, antes de a gratificação ser revelada pelo Correio. Hoje, procuradores e juízes devem se encontrar com um grupo de senadores justamente para tratar do futuro de seus salários.

Indicadores ruins

Para os investidores, não é de estranhar que o humor entre os agentes econômicos não seja dos melhores. Esperava-se que, com a mudança no comando do governo, um ânimo novo tomasse conta do país, mas o que estamos vendo até agora é decepção. Na política, há o risco de a República implodir, com as principais lideranças sendo tragadas pela Lava-Jato. Na economia, em que se esperava um pequeno alívio, os indicadores continuam muito ruins.

A inflação, que o Banco Central de Alexandre Tombini dizia estar em queda, voltou a subir — e forte. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 0,78%, a maior taxa para o mês desde 2008. Os especialistas garantem que, pelo segundo ano seguido, o custo de vida vai estourar o teto da meta, de 6,5%. Isso deixa o BC, que, nos próximos dias, será comandado por Ilan Goldfajn, de mãos atadas para reduzir a taxa básica de juros (Selic), de 14,25% ao ano. A incapacidade em dar um alívio no custo do dinheiro foi ratificada ontem pelo Comitê de Política Monetária (Copom).

Temer imaginava que, com nomes fortes e respeitados no comando da economia, provocaria mudança no humor dos agentes produtivos e de investidores. De início, até se ensaiou uma melhora na confiança. Mas a dificuldade do governo de levar adiante medidas importantes para ajustar as contas públicas contaminou negativamente os ânimos.

Meirelles está tentando, até agora, animar a plateia no gogó. Mas é pouco. A expectativa que a posse dele criou está lentamente se transformando em preocupação. Muitos já falam na possibilidade de o ministro se transformar em um novo Joaquim Levy, que chegou à Fazenda todo poderoso, prometendo mundos e fundos, mas não entregou nada e acabou saindo pelas portas dos fundos. Pelo visto, tempos muitos difíceis ainda vão nos atormentar por um longo período.

Brasília, 07h01min

Vicente Nunes