Memórias da W3

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Ao ouvir comentários e ver imagens que mostravam a W3 Sul ocupada pelo brasiliense, como espaço de lazer, depois de iniciado o processo de revitalização, recorri à memória afetiva que me levou a outro tempo. Não o do período em que fazia jornalismo na UnB e ocupava uma vaga em pensão na 706. Mas do período de estudante de segundo grau em que morava na casa do meu cunhado Silas e da minha irmã Evilene, num acampamento próximo ao Lago Paranoá, onde, depois, foi instalado o Clube do Exército.

Naquele época — entre os anos de 1963 e 1965 —, após as aulas no Elefante Branco, pelo menos uma vez na semana, fazia uma espécie de footing pela avenida, entre três as quadras, que eram vistas como o “centro da cidade”. Ali havia lojas cujos produtos oferecidos enchiam os olhos e os ouvidos de um adolescente interiorano que levava no bolso, além do documento de identificação, apenas o dinheiro das passagens de ônibus. Para se ter ideia da dureza, o desejado picolé Chicabom era um objeto de consumo inalcançável.

Começava meu périplo pela 509 Sul, onde o esforçado lateral-esquerdo do time do Elefante se detinha longamente em frente à vitrine da Casa do Atleta, namorando o cobiçado material esportivo — calção, chuteira, camisas — exposto. Aquela loja pertencia a Wilson de Andrade, que, posteriormente, viria a ser presidente da Federação Brasiliense de Futebol. Já na 508 Sul, o meu interesse era despertado, inicialmente, pela primeira grande boutique da nova capital, a inesquecível Bi Ba Bô. Lá, no imenso mostruário, destacavam-se blusas da moda e a mítica calça Lee, que eram exibidas por colegas do colégio — filhos de famílias abastadas.

Me demorava mais na Discoteca Paulistinha, em que ouvi, pela primeira vez, I can’t stop lovin you, com Ray Charles, I want hold your hand, dos Beatles; hits de Roberto Carlos (em início de carreira) e clássicos da Bossa Nova. Mais adiante, no Teatro da Escola Parque, cartazes anunciavam a exibição dos chamados filmes de arte, como Blow up, de Michelangelo Antonioni, e Teorema, de Pier Paolo Pasolini. Ali, anos depois, o baiano Zé da Mata se juntaria a outros cinéfilos para criar o Cine Clube Nelson Pereira dos Santos.

Ao lado, no Cine Cultura, predominavam na tela produções épicas, a exemplo de Ben Hur e Spartacus. Mesmo sem ter conhecimento aprofundado de cinema, ficava sem entender o porquê daquilo. Afinal, ali não era o Cine Cultura? Ah, sim, na loja vizinha — já na 507 —, funcionava o restaurante Caravelle, que, embora de nome francês, servia massas. A distância, dava para sentir o cheiro da lasanha, que, muito tempo depois, pude saborear. Aliás, quando passei a morar na pensão da 706, o Caravelle virou ponto de encontro de um grupo de amigos do qual passei a fazer parte. Íamos lá para compartilhar uma pizza gigante. Cada um tinha direito a uma fatia. Enfim, lembranças da W3 de antigamente que ficarão guardadas para sempre na minha memória.

Irlam Rocha

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