O Caetano Veloso, que no último dia 7 trouxe um sopro de esperança, nos tempos obscuros que vivemos, ao protagonizar uma live em comemoração aos 78 anos, é o mesmo artista engenhoso e criativo que tem mantido a coerência ao longo de cinco décadas de uma celebrada carreira. Dela faz parte o período mais difícil, o da prisão, nos anos de chumbo, determinada pela ditadura militar, que está retratado no documentário Narciso em férias, dirigido por Renato Terra (Uma Noite em 67) e Ricardo Calil (Cine Marrocos).
Selecionado para a 77ª edição do Festival de Veneza, previsto para ocorrer de 2 a 12 de setembro, o longa-metragem produzido por Paula Lavigne e coproduzido pela VídeoFilmes, de Walter e João Moreira Salles, traz o mesmo título de um dos últimos capítulos do Verdade Tropical, o livro de memórias do artista baiano, lançado da Editora Schwarcz. Nele, o cantor fala sobre a madrugada em que ele e Gilberto Gil foram retirados de suas casas em São Paulo, em 27 de dezembro de 1968 — duas semanas depois da instauração do AI-5 — e conduzidos para solitárias no Rio de Janeiro, onde permaneceram por uma semana.
Em seguida, passaram a ocupar celas no quartel da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Depois foram transferidos para outra unidade da corporação, no subúrbio de Deodoro, também no Rio de Janeiro. Lá, os dois tinham como “vizinhos” cárcere Ferreira Gullar, Paulo Francis, o editor Ênio Silveira e o ator Perfeito Fortuna, que depois viria a ser um dos criadores da trupe teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone.
Verdade Tropical traz em outros capítulos relatos sobre o Barra 69, o show que Caetano e Gil fizeram em 20 e 21 de junho de 1969, no Teatro Castro Alves, em Salvador. Na capital baiana, eles ficaram confinados antes de partirem para o exílio, em Londres. O repertório do show, em que havia músicas como Alegria alegria, Domingo no parque, Aquele abraço e o Hino do Bahia, foi registrado precariamente em disco e lançado em 1972 — hoje, objeto restrito de colecionadores.
Pelo que se pode perceber, Caetano não guardou rancor dos seus algozes. Tanto é assim que por duas vezes se apresentou em instalações do Exército. Em 8 de outubro de 1998, ele fez o show Livro Vivo, no Teatro Pedro Calmon, na área do Setor Militar Urbano, aqui em Brasília; e no dia 12 de julho de 2012, soltou a voz no Forte de Copacabana (Rio de Janeiro), na abertura da Rio +20 — Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Salve o eterno Narciso!
Artigo publicado na seção de Opinião do Correio Braziliense deste sábado (15/8)
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