Por Arthur Trindade e Daniel Cerqueira*
A pesquisa de vitimização realizada pelo Instituto Datafolha e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que a vitimização criminal no Rio de Janeiro não é mais alta do que nas outras cidades do país. Na maior parte das situações, como roubos, furtos e agressões, a proporção de pessoas que foram vítimas de crimes na cidade não diferiu muito da média nacional.
Os estudos mostram que as pessoas que foram vítimas de crime não são necessariamente as que mais sentem medo. Pode parecer estranho, mas os estudos apontam que o medo não está automaticamente associado à vitimização criminal. Uma série de fatores podem aumentar ou diminuir a sensação de segurança. O medo afeta mais as mulheres, os adultos com filhos e as pessoas de baixa renda. Fatores ambientais também importam. As pessoas que conhecem e confiam nos vizinhos tendem a sentir menos medo. Lugares com lixo acumulado, carros e prédios abandonados também amedrontam. Confiar nas polícias tende a diminuir essa sensação. Alguns eventos, como roubos, ameaças e agressões, tendem a causar mais medo. Segundo as pesquisas, os tiroteios são os eventos que mais impactam no medo da população.
Infelizmente, os tiroteios tornaram-se parte da rotina dos moradores do Rio de Janeiro. De acordo a pesquisa, 30% dos cariocas já se viram no meio de fogo cruzado entre policiais e bandidos. O medo de ser vítima ou de ter um parente atingido por bala perdida aterroriza 92% da população, sendo que 40% acha que é grande o risco de isso acontecer. Pior, 8% dos moradores da cidade já tiveram um parente atingido por balas perdidas. O que diferencia o Rio de Janeiro das outras cidades brasileiras é a frequência com que os tiroteios acontecem e seus reflexos na vida cotidiana.
Portanto, é necessário discutir a lógica destes enfrentamentos, que acontecem nas favelas e normalmente envolvem policiais militares. Em geral, esses confrontos não ocorrem no cumprimento de mandatos judiciais ou para capturar esconderijos de armas. Tampouco eles são precedidos por ações de inteligência ou articulados com outras agências governamentais. Eles acontecem, na sua grande maioria, para reprimir o varejo do tráfico de drogas.
O resultado destas ações é a disseminação do medo que afeta a saúde mental das pessoas, prejudica o comércio, afasta turistas, expulsa clientes de restaurantes e afugenta o público de teatros. As escolas, frequentemente, suspendem as aulas e os alunos se veem às voltas com síndromes do pânico e outras ansiedades. Além disso, os confrontos armados expõem a vida dos policiais, que são empregados sem as mínimas condições táticas e operacionais, gerando elevado número de mortes e outros problemas psicológicos.
Por isso, alguns denunciam a irracionalidade desta política de enfrentamentos. Mas na verdade, os fatos mostram que não há uma “política” de enfrentamento. É certo que existe uma tolerância e, às vezes, incentivos para os enfrentamentos. Entretanto, os tiroteios são resultados de rotinas e práticas de confronto levadas a cabo pelos policiais sem que haja uma clara definição dos objetivos, dos meios a serem empregados e dos limites de engajamento.
Se os tiroteios são uma triste realidade, o Rio de Janeiro precisa de uma política que limite as situações de confronto. Para isso, é preciso treinar e equipar as unidades especializadas e investir em inteligência para evitar os confrontos desnecessários que colocam em risco a vida da população. As ações com alto risco de enfrentamento precisam ser articuladas com a Defensoria e o Ministério Público. Enfim, é necessária uma política sobre os enfrentamentos que tenha por objetivo reduzir os tiroteios.
*Arthur Trindade é doutor em Sociologia, professor da UnB e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Daniel Cerqueira é doutor em Economia, analista do IPEA e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
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