Escrita pelo mesmo roteirista de La casa de papel, White lines guarda algumas semelhanças com o fenômeno, mas tem personalidade própria e personagens mais complexos. Leia a crítica!
Álex Pina parece ser daqueles roteiristas que transforma em ouro o que toca. Ele foi responsável pelo sucesso Vis a vis e pelo fenômeno La casa de papel. Agora, ressurge na Netflix com uma nova série: White lines (que não ganhou título em português). Mal estreou, a atração já aparece entre as mais vistas da plataforma de streaming no Brasil, talvez pela curiosidade de ver o que Pina aprontou desta vez.
Vai valer a pena dar vazão à curiosidade e assistir aos 10 episódios de White lines. O roteiro mescla suspense, humor e drama, fazendo com que os capítulos não sejam cansativos ou repetitivos. A ação é amarrada de forma não linear e nos prende quietinhos no sofá. O ritmo imposto pela direção facilita a maratona, ainda mais porque há ganchos que te levam facilmente ao próximo episódio. Se o elenco está longe de ser estelar, também não compromete ー regulares, os atores convencem e nos fazem torcer por cada um dos personagens.
E essa torcida por todos ー e por nenhum ao mesmo tempo ー é um ponto chave em White lines. Depois de 22 anos, Zoe Walker (Laura Haddock) resolve sair de Manchester e ir a Ibiza descobrir o que realmente aconteceu no assassinato do irmão mais velho dela, Axel (Tom Rhys Harries), a quem ela tinha como ídolo e cujo corpo só agora é encontrado enterrado num terreno particular onde será erguido um cassino.
Ao chegar à paradisíaca ilha, ela reencontra os três amigos de adolescência e farra de Axel, Marcus (Daniel Mays), David (Laurence Fox) e Anna (Angela Griffin) e logo os envolve na tarefa de descobrir quem matou o irmão e em que circunstâncias isso aconteceu. A polícia nunca desvendou o crime, ocorrido numa festa de aniversário de Axel, importante DJ e empresário da noite em Ibiza, porque os 600 convidados estavam tão drogados que realmente não conseguem contar o que houve ali. Será que é por isso mesmo?
As principais suspeitas recaem sobre Oriol Calafat (Juan Diego Botto), homem mimado que não amadureceu nada e que era o principal concorrente de Axel na noite. Além de disputar quem levava mais gente às pistas de dança, Oriol e Axel brigavam pela preferência de traficantes, que ajudavam no movimento e no faturamento das boates. Daí vem uma possível explicação do título da série: as carreiras de cocaína muito presentes nas cenas seriam as “linhas brancas”. Aliás, cenas de droga, sexo e batida eletrônica são corriqueiras em White lines.
A família Calafat (dona do terreno onde Axle foi encontrado) é muito influente em Ibiza ー além de Oriol, o clã tem os pais Andreu (Pedro Casablanc) e Conchita (Belén Lopez) e a filha Kika (Marta Milans), namorada de Axel à época do crime. Isso sem falar em Boxer (Nuno Lopes), braço direito e espécie de capanga da família.
Temos, portanto, Zoe querendo resolver o mistério, Oriol e Boxer interessados em provar a inocência dos Calafat e os três amigos tentando apenas preservar a imagem de Axel, se despedir dele, já que somente agora o corpo foi descoberto, e tocar a vida em frente. Todos em busca do mesmo objetivo, mas jogando em times diferentes ー ora se aliando, ora se confrontando.
Por meio de flashbacks e de muitas descobertas, acompanhadas de interessantes reviravoltas, Zoe vai desvendando o mistério ー até chegar a um surpreendente e bem amarrado desfecho.
Dramas pessoais ganham vez em White lines
Mas não pense que White lines é apenas um “quem matou?”, daqueles suspenses baseados na solução de um crime. Muito mais do que isso, Zoe, ao tentar desvendar o mistério, está à procura é de si mesma ー de quem está por trás da pacata esposa de Mike (Barry Ward) e mãe de Jenny (Tallulah Evans).
White line é, segundo a terapeuta de Zoe, a linha tênue que a separa do que ela é do que ela pensa que é, do que ela quer os outros pensem que ela é. Fora dessa zona de conforto, Zoe acaba lançando o mesmo desafio aos outros personagens: o trio de amigos, Oriol, Conchita, Boxer ー ninguém ali é um só. E expor o seu outro lado pode ser mais doloroso e cruel do que se pensa. Todos acabam morrendo e renascendo em cena. Alguns mais de uma vez.
Em meio a tudo isso, White lines tem (vários) respiros cômicos. Apesar disso, toca em temas áridos, como tráfico de drogas, abuso, incesto, traições e outras “cositas más”.
A série traz um Álex Pina mais maduro do que em La casa de papel. Há gancho para uma nova temporada e assuntos que ficam por se resolver, como o passado de Conchita, a rixa dos Calafat com outro clã da ilha ou a relação da família com a igreja. Corajoso seria deixar tudo isso no ar e a gente com o gostinho de quero mais, sem que White lines caia na mesma armadilha de La casa de papel, cuja primeira temporada não foi nem igualada pelas demais.