A segunda temporada de 3% acabou com personagens principais divididos, um plano de arruinar o Maralto destruído e um suspeito acordo entre Michele (Bianca Comparato) e os representantes do poder. O trailer da terceira parte da série apresenta uma alternativa à miséria do Continente e à inacessibilidade do Maralto. A Concha, desenvolvida por Michele, é um espaço livre e colaborativo aberto a qualquer um que procura refúgio. A temporada começa com a desconfiada e resistente Joana (Vaneza Oliveira) chegando ao lugar com intenções próprias. Logo no começo, 3% nos apresenta a diferentes personagens das temporadas anteriores que preferiram buscar seu lugar ao sol como Rafael (Rodolfo Valente), acompanhado do irmão mais novo, Marco (Rafael Lozano) e o filho pequeno, e Gloria (Cynthia Senek).
A presença de familiares humaniza a imagem de personagens já conhecidos pelo público e apresenta uma nova faceta de Rafael e Marco, que carregam nas costas o peso de erros passados e a responsabilidade de serem pessoas melhores, exemplos para o irmão e o filho, respectivamente. Michele assume a posição de líder e fundadora da Concha e tenta deixar para trás o reflexo de poder abusivo do Velho (líder da Causa) e de Ezequiel (João Miguel), que a treinaram para manipular. As semelhanças dela com o líder do Processo, no entanto, são notáveis (desde o tom de voz assumido pela personagem até a postura corporal). Michele se apega à imagem da fundadora esquecida, Marisa (Maria Flor), para construir a Concha: um lugar que oferece a tecnologia do Maralto para todos.
Os novos episódios são fruto de uma melhora considerável nos investimentos da produção. É possível ver figurinos e cenários elaborados com mais qualidade, além de uma direção de arte que contribui, de forma satisfatória, para a contextualização e para o desenrolar da trama, sempre permeada de situações limite. O roteiro e os textos, bem amarrados, dão fluidez e conduzem bem o espectador. Já no primeiro episódio, em cena apresentada no trailer, uma tempestade de areia destrói a Concha e deixa o lugar desamparado. Sem fornecimento de água, com plantações destruídas e os estoques saqueados, a população se vê desamparada. A Comandante Marcela (Laila Garin) retorna, taciturna, oferecendo todos os suprimentos necessários em troca de controle do Maralto na Concha. A proposta é mantida em segredo por Michele, que não acredita nas boas intenções da Comandante e vê seu desafio de liderança ser posto em prova.
A personagem de Bianca Comparato desenvolve, então, uma seleção para deixar apenas 10% da população da Concha no local. Os que ficarem serão responsáveis por reconstruir o lugar, que será reaberto e acolherá de novo os eliminados quando se reerguer. Durante todo o processo, ela tenta conduzir de forma justa e mais distante possível do Processo. Como já era de se esperar, porém, aqueles que ficam de fora não aceitam voltar para as condições precárias do Continente e redefinem os rumos da temporada em um levante popular encabeçado pela jovem Gloria, que assume uma posição de destaque na temporada. Ela é motivada, majoritariamente, pela morte do melhor amigo de infância Fernando (Michel Gomes) e também por um fio de esperança que a menina nutre pelo Maralto desde pequena. Ela encontra em Marco o apoio e a força bruta para reivindicar a liderança de Michele, a quem considera, de certa forma, tirana.
Do lado do Maralto, também é possível ter uma nova impressão dos personagens. Enquanto André (Bruno Fagundes) aparece cada vez mais poderoso e convicto da ideologia que adota (diferentemente da imagem passiva e distante que o personagem tinha nas temporadas anteriores), Marcela também é aprofundada. Enquanto espera pelo colapso da Concha, a Comandante precisa lidar com o estado de saúde delicado de um dos conselheiros vivido por Ney Matogrosso, pai da personagem e Alvares convicto – a família que se gaba por, de geração em geração, vencer o Processo e conquistar lugar no Maralto. Marcela, que é mãe de Marco, teme pela proteção do neto em segredo.
Além de Gloria, que se torna um trunfo importante para ambos os lados, duas outras mulheres do enredo (introduzidas na segunda temporada) ganham mais espaço: Natalia (Amanda Magalhães) e Elisa (Thais Lago). A primeira, membro da Causa, acredita na Concha como uma alternativa à tirania do Maralto e tenta incentivar Joana a baixar a guarda e adotar a mesma postura. Elisa, por sua vez, se vê dividida entre Rafael e Otávio, antigo namorado de quem se separou quando passou no Processo. Acostumada com a vida mais tranquila do Maralto, ela fica no centro de dilemas interessantes de serem observadas e se sente responsável pelos dois homens, o que acrescenta uma complexa carga emocional à personagem.
Os oito episódios conduzem de forma envolvente. Os conflitos não se arrastam além do necessário e é possível ter diferentes leituras de cada um dos personagens, sempre interessantes por adotarem medidas mais complexas do que pode parecer à primeira vista. A trama surpreende de forma sutil e entrega uma boa dose de ação. É possível notar um trabalho mais efetivo da equipe, pioneira no gênero no país, que se adaptou melhor à linguagem distópica. 3% adota um padrão de qualidade mais alto sem deixar de ser tipicamente brasileira, embalada por Elza Soares e Chico Buarque.
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