Ingrid Gaigher traz personagem que fala sobre feminismo e violência contra a mulher na série Segunda chamada. Leia entrevista com a atriz, que também pode ser vista como Letícia na segunda temporada de Rio heroes!
Aos 28 anos de idade, a atriz Ingrid Gaigher pode ser considerada uma especialista em teatro musical e em séries da televisão. Mas nada que a prenda a um papel só. No palco, foram vários espetáculos elogiados e consagrados. Na telinha, a lista vai da comédia de Pé na cova à aventura de Rio heroes, passando pelo drama de Carcereiros e por 13 personagens de A história bêbada. Na excelente série Segunda chamada, Ingrid vive Aline.
Aline é duas mulheres em uma só. A primeira é engajada, durona, batalhadora, lidera uma manifestação feminista em que as meninas mostram os peitos em plena sala de aula para que uma colega não seja discriminada ao amamentar. A outra sofre, calada. É vítima de um relacionamento abusivo. As duas, em comum, trazem à tona temas urgentes a serem discutidos, como feminismo e violência contra a mulher. Essa é a principal força de Segunda chamada.
“A violência contra a mulher, racismo, machismo, xenofobia, LGTQIfobia, a desvalorização dos professores, a negligência com o povo periférico, entre outras coisas que discutimos na série, são temas que dizem respeito ao Estado e ao fomento à educação, então é urgente, é de extrema importância”, afirma Aline, em entrevista ao Próximo Capítulo.
Aline sabe da importância social da profissão e, brasileira, não foge à luta. Está no ar ou nos palcos para divertir, sim, mas especialmente para levar reflexão e, quem sabe, para transformar. “Se ajudei alguém, seja com um sorriso, seja com uma mudança de paradigma de vida, eu atingi meu objetivo”, resume.
Na entrevista a seguir, Ingrid fala de Segunda chamada, da necessidade de a classe artística se unir e do desejo de fazer novela. Estamos esperando, Ingrid!
Entrevista// Ingrid Gaigher
Qual é a importância de a Globo exibir uma série como Segunda chamada, com vários temas contemporâneos?
A importância é enorme. Penso que temas como o sucateamento da educação, o preconceito, a exclusão, entre vários outros que são discutidos na série, na verdade, são antigos mas ganharam espaço nesse momento pela urgência de serem discutidos. Acho que, nos últimos cinco anos, ganhamos muito nesse sentido porque estamos caminhando para uma liberdade individual, inclusive para sermos respeitados democraticamente, como cidadãos, como contribuintes de um governo que fomenta a violência se não abarca todas as diferenças, se não reconhece responsabilidade. A violência contra a mulher, racismo, machismo, xenofobia, LGTQIfobia, a desvalorização dos professores, a negligência com o povo periférico, entre outras coisas que discutimos na série, são temas que dizem respeito ao Estado e ao fomento à educação, então é urgente, é de extrema importância.
A Aline vai passar por uma situação abusiva na série. O que pode adiantar sobre essa trama?
A Aline, como muitas mulheres nesse tipo de situação, se vê entre a razão e o coração. A razão, quando se vive num relacionamento abusivo, é a primeira coisa que se perde. Por isso o combate à violência contra a mulher deve ter atenção e estudo, porque as marcas da violência muitas vezes não são visíveis. Ela é feminista, ela puxou um “peitaço” em sala de aula porque uma amiga estava sendo oprimida por outros homens na sala de aula. Mesmo sendo empoderada, ela tem envolvimento com esse relacionamento, então o conflito é esse: como, mesmo gostando dessa pessoa e estando com o psicológico abalado, arrumo forças para sair dessa situação?
A trama de Aline pode ajudar outras mulheres a enfrentar situações semelhantes? Como?
Sim! A trama da Aline é muito pertinente porque traz empatia às mulheres que muitas vezes não saem dessa situação. Porque a sociedade tira a sua responsabilidade nisso, na justificativa de que “briga de marido e mulher não se mete a colher”, e é justamente o contrário, violência contra a mulher é uma questão pública, da sociedade e do Estado. Então, trazer empatia e entendimento do que uma mulher que sofre física e psicologicamente pode ajudá-las a tomar coragem de sair dessa situação, buscar redes de apoio. E quem sabe, com luz nesse assunto, a gente consiga ajudar com o aumento das denúncias e as políticas públicas sejam cada vez mais colocadas em prática? Eu sonho com isso.
Essa função social da arte te assusta de alguma forma, por saber que você pode ajudar na transformação na vida de alguém?
Me assusta não entenderam a função da arte. Atualmente questionam nossa importância, e isso sim, me assusta. Acho que a representação, quando atinge seu objetivo final, ajuda as pessoas. Então como atriz eu sei que se ajudei alguém, seja com um sorriso ou com uma mudança de paradigma de vida, eu atingi meu objetivo. Fico na verdade muito honrada com essa função.
Você teve alguma preparação para viver a Aline, como conversar com alunos da EJA, por exemplo?
Sim. Vi muitos depoimentos de alunos do ensino público noturno . Conversei com professores também. Pesquisei muito sobre o Slam, porque duas das melhores amigas da Aline na trama são slamers. Estudei mais ainda sobre a violência contra mulher. Acho que tudo isso me ajudou a compor.
A Aline vende coxinha para complementar a renda. A Ingrid se arrisca na cozinha? Venderia coxinha também?
Adoro cozinhar, amo comer. É uma das minhas atividades preferidas (risos). Então gosto de cozinhar, cozinhar para os amigos, acho mágico você transformar os alimentos, unir sabores, adoro. Venderia coxinha se estivesse na situação da Aline, com certeza.
No fim de cada episódio de Segunda chamada, o público assiste a depoimentos de pessoas que passam por situações parecidas com as da série. Esse limite entre a ficção e a realidade está cada vez menor? Como você vê isso?
Acho que, de forma geral, a dramaturgia tem buscado falar sobre assuntos urgentes, representar personagens que nunca tiveram voz tanto quanto agora. Mas esse é um momento divisor de águas e muito diferente de tudo que vivemos até aqui no que diz respeito à dramaturgia, à estética, à representatividade. No caso específico da série, as tramas são inspiradas em relatos reais e num misto dessas histórias, então o limite entre realidade e ficção nesse caso é pequeno. Acho importante citar que a arte tem diferentes formas de expressão sendo mais realistas ou menos que pode ir de um mito até ao documentário, não deixa de comunicar, se não caímos na falta de diversidade expressiva. Mas é inegável que agora mais do que nunca, a realidade, o que fala diretamente com a vida do brasileiro médio, tem ganhado espaço por sua importância, e sua beleza também. A gente precisa falar do quanto o povo resiste, do como ele ama, de como ele aprecia cultura sim, do quanto ele sustenta a fé mesmo não tendo seu reconhecimento.
Antes de Segunda chamada você esteve no elenco de Pé na cova e Carcereiros, além de Rio heroes e A história bêbada. Tem vontade de fazer novelas?
Tenho sim. Acho que vou aprender muito com o formato pelo tempo de execução, tamanho da equipe, tudo é maior, né? Tenho curiosidade.
Você tem uma carreira com vários musicais. O gênero foi um dos que mais cresceram no país e, agora, deve ser dos que mais sentirão os efeitos dos cortes do governo. Como o teatro musical pode sobreviver?
O que as pessoas em geral, inclusive dentro da classe, têm dificuldade de entender é que os musicais geram muitos empregos dentro do palco, na produção, e indiretamente como a rotatividade de táxis, de vendas de ambulantes, turismo, enfim, é muito triste não termos muitas opções de sobrevivência num mercado tão importante na história do teatro e para a atualidade. Falo isso sem medo. Eu reconheço essa importância e reforço ela porque é muito difícil defendê-la mesmo lotando 1500 lugares em dia de semana. O que vejo é que, com certeza, os projetos que vão ser encenados em 2020 serão aqueles que já foram aprovados antes do teto de R$ 1 milhão. As pequenas produções vão sobreviver. A classe tem que se unir e propor novas alternativas, se não houve mobilização da própria classe nada vai ser feito.