Depois do sucesso do especial Juntos a magia acontece, em que o protagonismo negro chegou ao horário nobre da Globo, roteirista Cleissa Regina se debruça sobre o mundo da moda
Quando Cleissa Regina viu o especial Juntos a magia acontece ir ao ar em 2019, levando o Natal de uma família negra à Globo, ela sabia que estava marcando época. Mas talvez não tivesse ideia do passo sem volta que estava dando pela representatividade na televisão.
Depois de colher merecidos elogios pelo emocionante especial de fim de ano, Cleissa prepara uma série documental sobre negros no mundo da moda. O projeto ainda não tem emissora (ou serviço de streaming) e nem data. Em entrevista ao Próximo Capítulo que você lê a seguir, a autora fala sobre a série, o especial e, claro, representatividade. Confira!
Entrevista // Cleissa Regina
O especial de Natal que você escreveu, Juntos a magia acontece, exibido na Globo em 2019, ainda repercute. A que você atribui esse sucesso?
Acho que tanto a inovação quanto a qualidade do projeto contam. Inovação não só em finalmente termos uma obra com protagonismo negro na TV, mas também de termos um filme de Natal brasileiro. Sempre consumimos muito esse tipo de coisa vindo de fora, filmes de Natal marcaram época. E o especial é um filme de Natal para toda família, que é algo importante também. Para mim, o sucesso entre as crianças foi o mais surpreendente, não esperava que elas fossem gostar tanto.
Você está escrevendo um seriado sobre negros no mundo da moda. O que pode adiantar sobre esse projeto?
Vai ser uma série de 10 episódios. Em cada um vamos acompanhar o trabalho de um criador ou criadora negros na área da moda. A ideia é falar com pessoas que estejam realmente dentro da indústria, com suas marcas e em semanas de moda. Dois nomes que eu posso dizer que estão confirmados são a Jal Vieira e o Isaac Silva. São duas pessoas que eu tenho acompanhado há um tempo, que gosto bastante do trabalho e que já abraçaram o projeto.
Como é sua relação com a moda? Há algumas gerações era ainda mais difícil crianças negras terem referências negras nesse meio. Você acha que isso está melhorando, mesmo que mais lentamente do que o necessário?
Eu sempre gostei bastante de moda, ainda que não tivesse tantas referências. Lembro que o maior nome nesse sentido era a Naomi Campbell, talvez ainda seja. Atualmente eu tenho buscado cada vez mais consumir os produtores de marcas que defendem o que acredito e que têm pessoas negras nos postos de criação e como modelos. Acho que a minha geração pensa muito assim e, por isso, as marcas têm precisado se posicionar e mudar de atitude. Então, acho, sim, que está melhorando. Com certeza as crianças hoje têm mais referências negras em todas as áreas e quero muito ver a geração de adultos que vai vir dessa mudança.
Você foi a primeira roteirista negra a ter um projeto autoral solo na dramaturgia da Globo. O que isso significa?
Espero que signifique uma mudança, um momento novo na televisão e no audiovisual brasileiro no geral. Algo que demorou, mas que agora precisa decolar. Sei que tem pessoas negras com projetos bem interessantes no mercado, eu tenho vários outros projetos que quero ver fora do papel, mas precisamos de um olhar mais aberto entre quem decide quais projetos serão feitos ou não.
O audiovisual brasileiro está preparado para tirar o negro de papéis periféricos e dar a eles protagonismo, como na novela Bom Sucesso ou no seu especial?
Acho que não dá para falar por outros criadores, mas o público, com certeza, está preparado. Já ouvi por aí que o público não torce ou não se identifica com personagens negros, mas acho que é uma falácia – ou pode ser que isso tenha mudado com os anos. Na verdade, hoje o público se importa com tramas que tenham um casting diverso. Os personagens negros de Bom Sucesso eram super queridos pelo público. O personagem do David Júnior ganhou uma torcida bem grande e ele era o concorrente do mocinho, até onde eu sei (risos). Mas, claro, isso passa pelo fato dos roteiristas escreverem bem para esses personagens. No caso de Bom Sucesso, sei que a Rosane Svartman e o Paulo Halm são autores que se preocupam com essa questão. Isso começa por quem trabalha diretamente com eles, imagino que o Fabrício Santiago e a Isabela Aquino, roteiristas-colaboradores da novela, tenham feito diferença na escrita desses personagens.
Estamoas no mês do Novembro negro, iniciativa que divide a opinião de ativistas. Como você vê essa iniciativa?
Eu acho que é importante termos um mês de referência no que se refere à luta por igualdade racial e, com certeza, pessoas negras devem ter o protagonismo no que diz respeito à data. Mas também acho que é preciso termos as ideias que permeiam o mês de novembro durante o ano inteiro. Não dá para querer discutir questão racial e incluir pessoas negras apenas por um mês no ano, em especial no Brasil, um país em que a maioria da população é negra.