matteus4 Foto: Auri Mota /Divulgação

Matteus Cardoso e a representatividade nordestina de Mar do sertão

Publicado em Novela

No ar em Mar do Sertão, o ator, diretor e produtor potiguar Matteus Cardoso, estreante em novelas, celebra o destaque dado ao Nordeste por meio da escalação de elenco das obras do audiovisual

por Patrick Selvatti

A representatividade se tornou uma necessária palavra de ordem e artistas nordestinos têm sido melhor aproveitados em grandes papeis na televisão e no cinema. A novela Mar do sertão, por exemplo, dedicou a maior parte do seu casting a atores e atrizes nativos no pedaço do Brasil retratado na trama. Desses, 15 vieram diretamente do Nordeste. Um deles é Matteus Cardoso, 34 anos, que faz sua estreia em telenovelas com o personagem Joel Leiteiro.

Ao Correio, o ator expôs a sua percepção. “A maior parte das representações emblemáticas do que se produz em audiovisual sobre o Nordeste é de artistas de fora da região. O tal ‘sotaque nordestino’ foi construído pelo audiovisual, que unificou todos os dialetos existentes ao longo dos estados em um só, que ficou marcado como padrão”, avalia o ator do Rio Grande do Norte, que também é produtor e diretor de teatro.

De acordo com Matteus, a TV e o cinema criaram um estereótipo do nordestino. “Sempre o cabra-macho, caricato, sofrido, preguiçoso, pouco escolarizado. Só se via nordestino em papel de porteiro, empregada, feirante, com classismo e xenofobia. Essa é uma noção que foi cauterizada e é valioso que uma máquina poderosa como a TV Globo, enfim, conceda esse espaço para a representatividade, com a importância e a legitimidade estética que a pauta merece”, celebra ele.

Foto: Brunno Martins /Divulgação

Natural de Natal, Matteus é formado em rádio e TV e fez especialização em audiovisual na Rússia. Atuar sempre fez parte do ofício do artista, mas só em 2017 se firmou como ator, na peça A invenção do Nordeste, do grupo potiguar Carmin — vencedora, dentre outros, do Prêmio Shell de Dramaturgia. Por meio desse trabalho, entrou no radar dos produtores de elenco, fez alguns testes e, agora, está no ar com a primeira novela.

Matteus destaca que a preocupação da emissora em priorizar um elenco nativo é “genuína”. A representatividade começa nos protagonistas. Dois atores do trio central são nordestinos — a paraibana Isadora Cruz e o pernambucano Renato Góes. “Mar do sertão não explora arquétipos caricatos gratuitamente. É uma trama fabulesca, que lida com símbolos desde o título. Mar do sertão fala de dualidades, de contrapontos. O sertão não tem mar, assim como o meu personagem é um vaqueiro másculo, desejadíssimo pelas mulheres, mas é virgem”, observa, referindo-se ao Joel Leiteiro, grande amigo do mocinho vivido pelo ator Sérgio Guizé.

“É um coadjuvante, que trabalha como distribuidor de leite na cidade e, por ser belo, forte e rústico, chama a atenção das mulheres por onde passa, atiçando o desejo sexual. Mas ele é um matuto, inocentão, lerdão. É tesudo sem saber que é, desperta o desejo geral, porém, deseja somente a moça mais pura da paróquia. As mulheres dão em cima e ele se apaixona pela beata da novela”, diverte-se o ator.

Memes

Foto: Brunno Martins /Divulgação

Joel Leiteiro se tornou um dos maiores memes da web — em especial, pelo trocadilho erotizado do seu apelido. Em uma das cenas em que os internautas foram à loucura, o rapaz bebe leite, com uma pegada mais sensual, sob os olhares cobiçosos da personagem Cira, interpretada pela atriz da Paraíba Susy Lopes. Quase sempre sem camisa em cena, o personagem tira o fôlego dos telespectadores mais afoitos e, em uma cena em que toma banho, gerou forte burburinho nas redes sociais.

“Eu sou um cara que gosto de biscoitar e vejo a sensualidade [do personagem] de uma forma benéfica, porque o público gostou, repercutiu e, com Joel, eu segui fazendo o que sempre fiz com meu trabalho nas redes sociais: biscoitagem com conteúdo”, revela o ator, que adora repercutir seus memes no seu perfil oficial e interage bastante com os seguidores. “A partir dos inúmeros memes do Joel Leiteiro, junto vem o Matteus, que acaba sendo conhecido pelo público em todas as suas facetas e camadas. Eu sempre quis fazer a diferença e chegar ao meu povo”, destaca.

Militância

A novela Mar do sertão, segundo Matteus, é uma forte militância, com a mensagem de respeito à diversidade, valorização da cultura e desconstrução de arquétipos. Ele explica que amou fazer televisão porque a experiência atestou o alcance e o poder da cultura. “O povo tem essa forte necessidade de se encontrar consigo mesmo nas artes. E eu nunca vou me esquecer do que [a novela] representou neste momento histórico”, declara o artista, citando o último processo eleitoral. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) do Rio Grande do Norte, ele fez uso da visibilidade para expor seus pontos de vistas políticos. Matteus Cardoso também analisou a evolução do audiovisual em relação ao respeito à diversidade.

A sexualidade do ator foi explorada por alguns sites, a partir de uma entrevista concedida em dezembro, em que ele declara que namora um estudante de medicina, com quem pretende se casar. “Houve uma chuva de manchetes do ‘Galã da Globo revela ser gay’, mas eu só contei a um jornalista pela primeira vez algo que todos sempre souberam. Eu sempre fui gay, nunca tive essa de sair do armário. Quando fui escalado para a novela, eles já sabiam da minha vida. E eu acho importante destacar que hoje isso é recebido com naturalidade porque pessoas tiveram que pagar um preço antes, tiveram que construir uma imagem pública que não condizia com a realidade para esconder sua intimidade. Hoje, um ator que interpreta um machão pode dizer abertamente que é gay, e eu também quero ecoar essa luta para que nossos espaços sejam ocupados e que a gente interprete o que precisar ser interpretado,” ressalta.

Brasília

Foto: Auri Mota /Divulgação

Matteus Cardoso esteve recentemente em Brasília para acompanhar a posse do presidente Lula. “Foi incrível viver esse momento de celebração. Ouvi o discurso, assisti à subida na rampa, chorei, sorri. Essa foi uma vitória nas urnas mais histórica que a gente imagina”, declarou. O ator diz que se sente bem na capital federal porque gosta dos símbolos da democracia. “Gosto do mito de que a gente vai se organizar constitucionalmente. Ter ido antes do vandalismo foi ainda mais marcante. Porque eu sei exatamente o que motivou aquele terrorismo todo. A dominação que ocorreu um domingo antes na Esplanada, aquela energia, toda a representatividade do povo brasileiro fez com que a cachorrada visse na força do ódio”, opinou o artista, que, na passagem pela cidade, juntou-se ao povo e curtiu o show do Fundo de Quintal na prainha dos orixás no réveillon e deseja retornar, agora com o espetáculo Manual de sobrevivência do artista brasileiro, de sua autoria, que pretende levar aos palcos. “Somos itinerantes, os trabalhos nos movem, quando nos chamam. Hoje o Brasil me conhece, mas desejo que o país vá atrás desses outros tantos nordestinos que também brilham fora da TV”, finaliza.