Doce, contemplativa, leve e romântica. Os adjetivos que se aplicam a Little voice fazem parte de um momento datado na TV e atualmente são cada vez mais raros. Nem por isso a aposta da Apple TV+, que estreou no fim de agosto, merece ser esquecida, muito pelo contrário. Para os fãs de conteúdo musical a produção de apenas nove episódios (de 30 minutos) é a dica perfeita.
A história, que tem como produtores-executivos Sara Bareilles (a cantora é responsável também pelas composições de algumas faixas musicais da série) e J. J. Abrams, apresenta os dramas e sonhos de Bess (Brittany O’Grady). Uma nova-iorquina de alma e coração, a jovem tem como base na vida a música. Desde a infância, a garota escreve canções e sonha em interpretá-las (e não apenas vendê-las), mas de uma forma, ou de outra, a vida sempre lhe apresentou grandes obstáculos.
Seja pela timidez, a falta de “visual” para ser uma estrela, os problemas do pai com bebidas, a ausência da mãe, ou até mesmo as necessidades do irmão mais velho (sempre colocadas em primeiro plano por Bess), o talento da jovem foi sobreposto pela… vida. Porém, desistir não faz parte da personalidade da garota, que contra tudo e todos segue na busca por um espaço no mundo da música (e não necessariamente do estrelato).
Ao lado dos amigos Prisha (Shalini Bathina) e Benny (Phillip Johnson Richardson), Bess acaba tendo de lidar com uma indústria musical que nem sempre se trata de qualidade. E entre a paixão do bondoso Samuel (Colton Ryan) e do comprometido Ethan (Sean Teale), também tem de aprender a lidar com o fato de o coração nem sempre ser muito claro. A vida é dura para a garota, mas os sonhos de Bess são maiores.
Na frente de Little voice, e da própria protagonista (bem organizada — e bem menos chata do que poderia presumir nossa vã filosofia — por Brittany O’Grady), existe um elemento fundamental: a música (que inclusive talvez tenha alcançado o ápice de representação na série).
Lembro muito pouco de outras produções que tenham aberto tanto espaço para a música e para “o que é fazer” música ao longo do enredo. Cenas longas e “silenciosas” (no contexto de diálogo) são dedicadas à sensíveis amostras do que é ser um artista, e é aí que Brittany brilha. Little voice muda o foco dos clássicos musicais que colocam a música como o “fim” em um roteiro, e se concentra mais em narrar a história a partir das canções.
É diferente de Glee ou La La Land, pois nesses exemplos a música está mais próxima do clímax de cada trama. Já em Little voice é como se a melodia fizesse parte da construção de tal clímax (tanto que as faixas não têm exemplos “chicletes”. As canções fazem parte do enredo de uma forma mais simbiótica, e menos como destaque).
Outra singularidade da série é algo que apenas consigo caracterizar como “personalidade datada”. Séries românticas e leves não são nenhuma raridade, pelo contrário. O sucesso de Emily em Paris deixa isso claro. Mas diferentemente da “concorrente” da Netflix, Little voice apresenta um romance mais sutil, mais disperso, tal qual as produções do gênero do fim dos anos 1990 e 2000.
Na produção da Apple TV+ não existem cliffhangers embalados por efeitos sonoros de suspense à lá “tam tam tam tam!”, ou músicas pops para representar o bom humor de um personagem em um dia ensolarado. Mas em nenhum momento isso quer dizer que o enredo se mostra desatualizado, ou fora de época. É uma escolha estética, e aqui, definitivamente uma boa escolha estética.
Em síntese, Little voice provavelmente não sairá do underground dos fãs de série para ser um hit do Twitter (algo que invariavelmente sempre desencoraja novos telespectadores), mas uma chance para a breve série não será um erro, e sim uma forma de entretenimento mais honesto e prático com o que a vida geralmente apresenta em relação aos sonhos.
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