Leona Cavalli vive Iris Abravanel em O rei da TV, série sobre Silvio Santos que o Star+ estreia quarta-feira. Em entrevista, ela também fala sobre os palcos e política. Confira!
Impossível falar da história da TV brasileira sem passar por Silvio Santos. Goste ou não do apresentador, ele é responsável por um capítulo importante dessa jornada. É isso que O rei da TV, série da Star+ que estreia quarta-feira, mostra. Mas ela vai além do ídolo. O roteiro não deixa de fora passagens que humanizam o empresário, como a descoberta de um câncer de garganta, nos anos 1980, e altos e baixos do casamento.
Em cena, José Rubens Chachá e Mariano Mattos Martins dividem o papel de Silvio. À atriz Leona Cavalli coube o papel de Iris Abravanel, esposa dele e “grande ponto de ligação entre o Silvio apresentador, empresário e o ser humano”. O Correio conversou com ela sobre o desafio de viver esse papel e o atual cenário do streaming brasileiro.
Entrevista // Leona Cavalli
No streaming, você será Iris Abravanel, a esposa de Silvio Santos. Como foi essa experiência?
Interpretar a Íris foi um desafio, porque é uma mulher conhecida, contemporânea. Em nenhum momento, tentei imitá-la, mas, sim, me inspirar nela, a partir de entrevistas e pesquisa. O que mais gosto na série é o fato de mostrar os bastidores, a parte ainda desconhecida do grande público da TV aberta; ao mesmo tempo em que mistura fatos históricos, cenas de auditório, envolvimento político, escândalos.
A Iris é uma personagem sobre a qual sabemos pouco, apesar de ela ser esposa de um dos homens mais conhecidos do Brasil. Em que ponto a trajetória dela te surpreendeu?
O que me surpreendeu foi a força e a inteligência dela. É uma mulher direta, franca, que, por vezes, deixa o Silvio desconcertado. A Iris é o grande ponto de ligação entre o Silvio apresentador, empresário e o ser humano com suas questões, conflitos, a parte íntima familiar, desconhecida, e ao mesmo tempo base de toda trajetória desse artista tão popular.
De uns tempos para cá, vimos contratos fixos da Globo não sendo renovados. Ao mesmo tempo, a produção brasileira do streaming parece cada vez mais sólida. Esse cenário acaba trazendo mais insegurança para o ator por causa do contrato fixo ou mais segurança pelo aumento da demanda?
Vejo esse momento como uma grande abertura, em que novas formas de comunicação estão se apresentando. É natural o caminho da não exclusividade, no mundo inteiro, cada vez mais. E traz novas oportunidades de trabalho, gera novos conteúdos; ao mesmo tempo em que a TV aberta continua chegando ao público. Acho que é positivo.
Estamos em um ano eleitoral e em um processo bem polarizado, com algumas pessoas cobrando que as outras se posicionem. O que você acha dessa “obrigação” que acabou caindo sobre artistas? A artista e a cidadã Leona Cavalli andam de mãos dadas ou é possível separá-las?
É impossível separar arte de cidadania, porque essa união somos nós, uma parte complementa a outra. Respeito os que preferem não se posicionar. Não acho que seja algo “obrigatório”, claro; mas, por outro lado, da forma como a cultura e a educação vêm sendo atacadas, vejo como algo natural. Eu mesma fui a Brasília recentemente duas vezes, para participar de um ato contra a liberação dos agrotóxicos e outro a favor da liberação dos vetos às Leis culturais Paulo Gustavo e Aldir Blanc. Foi importante.
Você vive Mephisto na montagem de Fausto dirigida por José Celso. Como é interpretar a personificação do mal? É desafiador?
Estou interpretando Mephisto nessa montagem de Fausto, de Marlowe, dirigida pelo Zé Celso. A peça é um clássico, e o personagem, muito difícil e desafiador, pois faz parte de um mito que está no inconsciente de todos, cada um tem sua visão de bem e de mal. O que mais gosto dessa versão é o fato de o “mal”, personificado pela personagem, ser colocado como um aspecto interno de Fausto, o que torna a montagem mais contemporânea; com uma linguagem acessível, que dialoga com muitos aspectos do que vivemos hoje, quando vários conceitos estão mudando.
O papel deve ter uma carga negativa muito grande. Como não deixar isso te afetar quando está fora de cena?
O papel não gera carga negativa. Só mostra e traz uma reflexão sobre o tema; mas é muito bem escrito, tem humor, fica no plano da arte. Além disso, sempre achei que tão importante quanto entrar na personagem, é sair dela. Deixo tudo lá, no círculo sagrado do teatro, que aceita tudo sem julgamentos.
Fausto marca a retomada da sua parceria com Zé Celso. Como está sendo esse reencontro?
Está sendo muito emocionante pra mim esse momento. Eu comecei a minha carreira com o Zé e fiz muitas peças incríveis com ele. Ensaiar, atuar com o Zé, é sempre muito rico. Ele é um diretor que tem uma cultura e uma visão muito amplas do teatro, da arte, da atuação; tem sido muito especial.
A obra de Zé Celso costuma ter um diálogo muito grande com a política e com a realidade brasileira, mesmo quando é um clássico alemão. Como isso se dá em Fausto?
A peça foi escrita no século XVI, com a tradução e adaptação do Zé e do Fernando de Carvalho, fazendo ligação com a nossa realidade atual, desde referências à guerra da Ucrânia, até o momento político que estamos vivendo e os movimentos pela preservação da democracia. Tem uma linguagem direta, comunica muito com o público, e une teatro, audiovisual, música. A reação da plateia tem sido muito forte, até mais do que esperávamos, por ser uma peça medieval; parece ter sido escrita pra hoje.
Esse diálogo entre a arte e a política existe há muito tempo no Brasil. Sente ele enfraquecido nesse momento de ataques à democracia que vivemos?
Ao contrário, sinto que neste momento esse diálogo entre arte e política é necessário e inevitável, não há como ignorar.
Apesar de fazer muito teatro e TV, é no cinema que você me parece mais à vontade. É realmente assim?
Amo fazer cinema, mas também amo teatro e televisão. Acho que o que gosto mesmo é de me comunicar com o público. Cada veículo tem sua linguagem, e essa diversidade é maravilhosa!
Você estará em A cerca, filme de Rogério Gomes, ao lado do José Loreto e do Jorge Pontual. O que pode adiantar desse trabalho?
É um filme de suspense, conta a história de Elisa, personagem que faço, uma jornalista gaúcha que vai fazer uma matéria sobre uma região e acaba descobrindo uma ligação das famílias do local com o seu próprio passado. Foi rodado pouco antes da pandemia, mas ficaram algumas cenas a terminar, que filmamos há poucos dias. Adorei fazer, pois ainda não havia filmado no Sul, e a personagem tem o nome da minha avó, a meu pedido.
Apesar de estarem sem muito incentivo, sem representatividade na Esplanada dos Ministérios, os artistas me parecem divididos. Acha que seria importante mais união da classe?
Com certeza é mais importante essa união da classe, fundamental. Está melhor do que já foi, mas ainda precisamos nos acolher mais, afinar desejos comuns a todos, nos fortalecermos.
Você participa da ONG Paz Sem Fronteiras distribuindo cestas básicas para moradores de rua e de iniciativas que auxiliam comunidades indígenas, além de abraçar causas ambientais. Essa é uma forma apartidária que você encontrou de fazer política. Qual a importância disso em sua formação pessoal?
É uma forma de cidadania, e, sobretudo, uma forma de exercer minha humanidade. Acredito que somos uma única raça, vivendo no mesmo planeta, que precisamos nos ajudar mutuamente, através de uma cultura de paz, de integração. Auxiliar os outros é auxiliar também a nós mesmos, ao nosso presente e futuro. Todos queremos um mundo melhor e isso só se constrói na prática.