O ator Kiko Pissolato comemora a oportunidade de dar vida ao policial gay Rocha, da série Chuva negra, e ao machista homofóbico Julião, na novela Vai na fé
por Patrick Selvatti
A série Chuva negra, que estreou na última sexta-feira (24/3) no Canal Brasil e no Globoplay, chega com a proposta de tratar temas contemporâneos e apresenta um novo conceito familiar, abordado com muita diversidade. Na obra de 10 episódios — dirigida por Rafael Primot e com nomes como Julia Lemmertz, Vanessa Giácomo e Marcos Pitombo no elenco —, o ator Kiko Pissolato interpreta Rocha, um policial civil que vive uma relação homoafetiva e deseja adotar uma criança com o companheiro, o professor de educação física Orlando (Dudu de Oliveira). “Eles têm uma relação super saudável, bacana. Vivem juntos há bastante tempo e pensam em adotar, em casar, em fazer tudo que é permitido numa relação homem e mulher. Mas, infelizmente, ainda se deparam com a barreira do preconceito”, conta o ator de 42 anos, em entrevista exclusiva ao Correio.
Kiko relata que está empolgado com o novo trabalho, especialmente pela oportunidade de viver, pela primeira vez no audiovisual, um personagem LGBTQIAP . “Há muitos tabus ainda, por incrível que pareça. Então é sempre importante a gente abordar temas sensíveis. Temas que ainda provocam incômodo em alguma parte da sociedade, para que a gente normalize cada vez mais. O importante é a gente entender que todo comportamento é aceitável, desde que ele não afete o outro diretamente. O que cada um faz entre quatro paredes não interfere no caráter, né? Muito pelo contrário”, comenta.
O ator destaca que acredita ser primordial que todas as pessoas diferentes se sintam representadas no audiovisual. Nesse sentido, a série vai além da questão da homoafetividade ao trazer, no foco central, questões relacionadas, também, à síndrome de Down. “Tudo tratado de uma maneira muito humana e muito aberta”, define Pissolato.
Machismo tóxico
Recentemente, Kiko Pissolato teve uma rápida participação na novela Vai na fé, com o personagem Julião, líder de uma espécie de seita formada por “machões” que se reúnem para um evento chamado Jornada do Sagrado Masculino. Na ocasião, um dos protagonistas da trama, o cantor pop decadente Lui Lorenzo (José Loreto), busca resgatar sua “masculinidade tóxica” ao passo em que o produtor Vitinho (Luís Lobianco), assumidamente gay, revela-se “mais macho que muito hetero top”.
“Rocha é um homossexual contemporâneo e o Julião é um homofóbico clássico. São essas convergências do destino. Eu faço meu primeiro personagem gay no audiovisual, embora já tenha feito muito no teatro, e me convidaram pra fazer um cara que é exatamente isso: uma caricatura desse macho hétero topzera escroto”, observa o ator paulista, feliz com a repercussão do personagem.
A trama paralela da novela das 19h foi ao ar na mesma semana que ganhou notoriedade a polêmica em torno da ameaça feita pelo coach Thiago Schutz à comediante Livia La Gatto, que levantou discussão sobre violência contra as mulheres às vésperas do dia internacional delas. “O feminismo é visto como antimachismo, e não tem nada disso. A gente precisa educar as pessoas, e nada como o humor para servir de ferramenta de educação. As pessoas vão olhar e, em princípio, podem até se identificar com o Julião, mas ele foi feito de maneira caricata de propósito para que, através do humor, a gente mostre o absurdo que é esse tipo de comportamento”, observa Kiko.
Doutrinar a sociedade
Casado com a atriz Bruna Anauate, com quem tem um filho, o ator — registrado como Francisco José Rodrigues de Moraes Pissolato — ressalta que “tem pena desse tipo de sujeito”, mas, se estivesse na frente de Julião e houvesse uma escuta, teria muita coisa pra ensinar. “A primeira pergunta que eu faria é: porque te incomoda tanto a relação entre duas pessoas do mesmo sexo? E, se te incomoda, a gente precisa tentar entender o porquê”, revela o ator, que agradece a oportunidade de viver esse momento em que tem dois personagens antagônicos. “É maravilhoso fazer parte dessas discussões tão importantes da sociedade. Eu acho que a arte deve se prestar exatamente a isso”, declara.
Um dos marcos da trajetória de Kiko foi no filme O doutrinador, de 2018, um longa metragem dirigido por Gustavo Bonafé e Fabio Mendonça. Trata-se de uma adaptação das HQs de Luciano Cunha e conta a história de Miguel, um agente federal altamente treinado e perito em armas que, após experimentar um trauma, parte para uma jornada pessoal de vingança. Ele assume a identidade de um vigilante mascarado que resolve fazer justiça com as próprias mãos, exterminando políticos e empreiteiros corruptos. “Ele tira a vida e isso não se justifica. A gente precisa acabar com a corrupção dentro da nossa sociedade, do nosso próprio comportamento. E acho que essa é uma lição que fica muito clara em O doutrinador”, conclui.
Garoto do interior
Com carreira marcante no teatro, nas séries e no cinema, a estreia na TV aberta de Kiko Pissolato — nascido em Piracicaba, criado em Cosmópolis e formado inicialmente em educação física — se deu, em 2009, com uma participação na novela Cama de gato e nas séries Força tarefa e Na forma da lei. Mas foi nas novelas Insensato coração (2011) e Avenida Brasil (2012), em horário nobre, que vieram os primeiros papéis de destaque. Na sequência, em Amor à vida (2013), o ator teve a primeira participação fixa, dando vida a Maciel, o chofer de Pilar (Susana Vieira), um coadjuvante que, ao final, formou par com a patroa ricaça.
“Eu fiz bastante coisa ao longo dos anos e avalio como uma trajetória muito feliz, interessante e difícil. Para um garoto que veio lá do interior, da zona rural, chegar em São Paulo, pensar em trabalhar na televisão era como pensar em trabalhar na Nasa assim”, comemora Kiko, relembrando duas décadas dedicadas à atuação, incluindo o tempo em que estudou. “Minha estreia profissional no teatro foi em 2004. É uma carreira que eu avalio muito positivamente e que eu espero que ainda esteja só no começo”, finaliza o ator.