“Penso que toda obra, por mais que se trate de uma nova versão de algo pré-criado, precisa manter um diálogo com o seu tempo”. A frase do ator Izak Dahora se encaixa perfeitamente em Éramos seis, novela na qual ele vive o mecânico Tião. “No início dos anos de 1930 parte da sociedade lutava por direitos que, curiosamente, estamos vendo serem eliminados agora: direitos trabalhistas, especialmente”, continua o ator, em entrevista ao Próximo Capítulo.
Tião é o melhor amigo de Alfredo (Nicolas Prattes) e acompanha o filho de Lola (Gloria Pires) no movimento político. “A amizade transcende o laço consanguíneo e é livre de qualquer interesse. Tião representa na trama o homem do povo, trabalhador, que apresenta o mundo do trabalho a Alfredo. Nisso é descortinada toda uma realidade de opressão, desigualdades e luta pela transformação da sociedade paulista e brasileira. A década de 1930 nos ajuda a entender muito bem a dinâmica da sociedade e da política brasileira”, comenta Izak.
O ator conta que, quando era criança, assistiu à versão de Éramos seis do SBT, mas que não se lembra tanto. E ressalta que o fato de a novela das 18h ser a quarta versão televisiva do livro não o assustou. “Até pelo fato de ser originalmente uma obra literária, é uma trama pela qual as pessoas têm um carinho, que está, portanto, na memória afetiva de muita gente. Por ser uma obra com a densidade, é daquele tipo que a gente revê mas sempre se emociona”, explica.
Período considerado por muitos somente de folia, o carnaval é coisa séria para Izak Dahora, autor do livro Arte total brasileira: A teatralidade do maior show da terra (ed. Cândido) e um dos enredistas da escola de samba carioca Grande Rio em 2019. Para o desfile deste ano, Izak espera ver escolas críticas na Sapucaí.
“As escolas, sem patrocínio, caíram na realidade de ter de se reaproximar de suas comunidades e referências originais e estão tocando em temas mais sensíveis a si próprias, refletindo a si mesmas, arriscando mais. Espero muita criatividade, discursos críticos afiados e superação como forma de superar a crise financeira pela qual as agremiações carnavalescas passam”, finaliza.
Tião é próximo do Alfredo (Nicolas Prattes) e acaba sendo usado para discutir temas atuais, mesmo sendo uma novela de época. Como você vê essa interlocução entre as épocas?
Penso que toda obra, por mais que se trate de uma nova versão de algo pré-criado, precisa manter um diálogo com o seu tempo, se não qual o motivo da criação, se não for a reflexão sobre o seu tempo, certo? Então vejo de maneira muito rica e oportuna essa interlocução. No início dos anos de 1930 parte da sociedade lutava por direitos que, curiosamente, estamos vendo serem eliminados agora: direitos trabalhistas, especialmente. Até então o voto feminino não existia, hoje existe, mas há uma camada da sociedade que contesta ou vê com maus olhos a emancipação feminina, negra e de demais minorias políticas. Tião representa na trama o homem do povo, trabalhador, que apresenta o mundo do trabalho a Alfredo. Nisso é descortinada toda uma realidade de opressão, desigualdades e luta pela transformação da sociedade paulista e brasileira. A década de 1930 nos ajuda a entender muito bem a dinâmica da sociedade e da política brasileira.
A amizade entre eles dois é muito forte. Qual é o valor da amizade para você?
Vinícius de Moraes dizia que um amigo não se conquista, se reconhece. É muito importante termos essas pessoas próximas em quem a gente confie. O elo que Alfredo e Tião têm chega a ser mais constante do que entre Alfredo e Carlos, seu irmão. A amizade transcende o laço consanguíneo e é livre de qualquer interesse.
Tião é um mecânico. o universo automobilístico te interessava antes?
Embora dirija – e seja um bom motorista -, nunca foi meu forte (risos). Busquei fazer um laboratório na oficina mecânica do “paulista”, um mecânico de Jacarepaguá. Ele foi muito gentil comigo. Botei a mão na graxa, conversamos sobre esse universo.
Éramos seis é uma novela que teve outras versões. Isso atrapalha a atual versão?
Penso que não. Até pelo fato de ser originalmente uma obra literária, é uma trama pela qual as pessoas têm um carinho, que está, portanto, na memória afetiva de muita gente. Por ser uma obra com a densidade, é daquele tipo que a gente revê mas sempre se emociona. Lembro de algumas coisas da versão do SBT. Eu era bem criança quando esta versão passou.
É mais fácil compor o personagem de uma novela que já foi exibida?
Não. Pode ser até um problema, por conta do registro que já está na mente e no coração do público. Mas eu confio sempre na minha leitura do personagem e busco fazer com paixão. Então, tenho respeito pelo atores das outras versões, mas procuro fazer o meu, com a minha interpretação e assinatura.
Você é professor de teatro. Essa profissão de ensinar precisava ser mais bem valorizada no país, não?
Sem dúvida. Todo mundo para exercer seu ofício precisa aprendê-lo com alguém. Nem é preciso dizer mais, então, sobre a importância do mestre na sociedade. A gente pode entender uma sociedade pelo valor que é dado à educação e ao professor(a). No Brasil essa valorização beira a indignidade. Sou professor universitário. Leciono na licenciatura em teatro da universidade Estácio de Sá. Lido, portanto, com a formação de novos formadores em artes. Como professor de artes e como artista, às vezes me sinto numa espécie de contramão ao pragmatismo vigente no mundo, mas sou profundamente grato a esses dons e realizado pelas minhas escolhas.
Você teve destaque como o Saci de O Sítio do Pica-pau Amarelo durante cinco anos. Tem saudades do público infantil?
Costumo dizer que já trabalhei e trabalho muito pra criança, e o “Sítio” foi fundamental nisso para mim até hoje. Nesse momento estou no ar no Now da net com a série Irmãos Bazuca, de Alex Tietre. Faço o pai adotivo de três crianças, um professor de história divertido que explica para seus alunos e para os filhos as trajetórias de personagens negligenciados pela história oficial, como Zumbi dos Palmares, Carolina Maria de Jesus e outros.
O Sítio vem da obra do Monteiro Lobato, autor que vem sendo apontado ultimamente como racista. Você acha que obras de autores racistas do passado devem ser retiradas de circulação?
Não. A menos que se trate de um escritor de ideias francamente fascistas, nazistas. Embora reconhecido hoje como intelectual influenciado por ideias eugênicas, Lobato revela em sua obra traços de uma época que permite que nós, através da leitura, adentremos no pensamento racista de um tempo e façamos a nossa (necessária) crítica sobre ele. Promover novas edições que tragam notas explicativas de rodapé, textos introdutórios, finais que apresentem ao leitor uma ponderação sobre determinadas passagens ou as rodas de debates que hoje marcam feiras e encontros literários, acho extremamente válido. Cortar o texto, trocar palavras ou censurá-lo, não acho.
Você está no filme De perto ela não é normal. O que pode adiantar do projeto?
Interpreto JP, amigo de infância da protagonista. JP, ao contrário dos amigos, ficou riquíssimo, é dono de uma empresa, é casado com Rebecca, personagem da Angélica, com quem vive em uma mansão. Com Rebecca forma um casal de aparências, uma família disfuncional, mas como se trata de um filme de comédia, essas questões são tratadas com leveza e humor – e exatamente por isso tem um poder de fazer as pessoas pensarem, além de se entreterem. Fui convidado para o filme pela Cininha de Paula, diretora com quem já trabalhei muito na TV. Toco violino em cena a pedido da Cininha! Os diretores gostam de saber que eu toco, sempre aproveitam em cena; e eu adoro unir atuação e música!
Você é um estudioso do carnaval. Qual é a sua expectativa para o desfile deste ano?
Publiquei em 2019 o livro Arte total brasileira: A teatralidade do maior show da terra (ed. Cândido), que é desdobramento da minha pesquisa e dissertação de mestrado defendida em 2014, pela UERJ. A proposta do livro é a investigação da teatralidade inerente aos desfiles das escolas de samba, percebendo particularmente como elas articulam, em simultâneo, todas as formas de arte possíveis (teatro, dança, música, performance, artes plásticas, literatura, arquitetura…). A crítica, mais uma vez, parece dar o tom dos desfiles de forma geral. As escolas, sem patrocínio, caíram na realidade de ter de se reaproximar de suas comunidades e referências originais e estão tocando em temas mais sensíveis a si próprias, refletindo a si mesmas, arriscando mais. Espero muita criatividade, discursos críticos afiados e superação como forma de superar a crise financeira pela qual as agremiações carnavalescas passam.
Ano passado você foi um dos autores do samba enredo da Grande Rio. Qual é a sensação de ver a avenida cantando uma música sua?
Na verdade fui enredista: escrevi a sinopse do enredo e o roteiro oficial do desfile. É tudo muito emocionante! Fui convidado para o projeto pelos carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage no final da entrevista que fiz com eles para o meu livro. Criou-se, de imediato, uma empatia entre nós – a emoção começou aí. Eles foram muito generosos, me permitiram opinar em pontos importantes da proposta de enredo deles – o subtítulo, inclusive, foi uma proposta minha: “Quem nunca – que atire a primeira pedra”. Saber que cada alegoria, cada ala e cada elemento do desfile (representado por milhares de componentes) passou por mim para que eu desenvolvesse o seu texto de descrição e de defesa é uma alegria – e uma responsabilidade. Procurei traduzir em palavras toda a concepção e o estilo de Renato e Márcia, e, sempre que possível, colocando meu olhar também.
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