A dona do pedaço vai de boas cenas e núcleos que funcionam a um texto capenga e interpretações que encantam e decepcionam ao mesmo tempo. Leia a crítica!
Credo, que delícia! A expressão característica da internet para designar coisas que agradam depois de passar uma impressão ruim serve como uma luva à novela A dona do pedaço. A primeira semana do folhetim de Walcyr Carrasco peca pelo ritmo, mais lento do que vem apresentando o início das últimas novelas da Globo, e pelo texto (as palavras são o grande calcanhar de Aquiles do autor) e funciona pela temática extremamente popular e por algumas boas interpretações. De quebra, A dona do pedaço ainda dividiu opiniões com cenas de violência em que até as crianças da fictícia Rio Vermelho aprendem a atirar.
É justamente em Rio Vermelho, cidade criada no interior do Espírito Santo criticada por não ter as características geográficas do estado, que se passa boa parte da ação dos primeiros capítulos de A dona do pedaço. O prólogo e quase toda a primeira fase têm as cenas ali, onde as famílias Matheus e Ramirez são rivais e decidem essa questão na bala ー Quentin Tarantino teria adorado essa fase de A dona do pedaço!
Como manda a receita de um bom folhetim, o representante de uma família, Amadeu Matheus (Marcos Palmeira), e a mocinha da outra, Maria da Paz Ramirez (Juliana Paes), se apaixonam. Marcos Palmeira não está ruim no papel, mas não dá mais para acreditar no amor juvenil vivido por ele e Juliana. Talvez por isso a atriz tenha tido tanta dificuldade nos primeiros capítulos, rendendo bem menos do que já mostrou ser capaz.
As cenas em Rio Vermelho são bonitas e mostram uma evolução no trabalho da diretora Amora Mautner, conhecida por sets mais escuros. Eles estão ali, mas na dose certa. Há mais luz na lente de Amora e isso é muito bom. Ainda mais porque a temática desse início de A dona do pedaço é dura.
A primeira fase da novela tem uma virada quando Maria da Paz, jurada de morte depois que Amadeu leva um tiro disparado por Dulce (Fernanda Montenegro) no altar, foge para São Paulo. Ela chega à capital paulista e descobre estar grávida de Amadeu, mas pensa que o amado está morto numa mentira que conta com o aval até do padre vivido por Fernando Eiras. Fernando é um ótimo ator que vem sendo sistematicamente subaproveitado pela televisão e merecia um personagem que tivesse ao menos um nome ー na sinopse divulgada pela Globo ele é apenas Padre.
Uma das cenas mais comentadas dessa fase foi a chacina promovida por Dulce Ramirez. Fernanda Montenegro provou que tem senso de responsabilidade ao protagonizar uma cena com gosto pra lá de duvidoso. Desesperada com a morte da neta, Zenaide (Maeve Jinkings – saiba mais sobre a volta da brasiliense às novelas), ela vai até o patriarca dos Matheus, Miroel (um ótimo Luiz Carlos Vasconcelos), pedir informações sobre o paradeiro das bisnetas. Ele conta a ele que uma das meninas está perdida pelas ruas de Vitória e a outra, morta.
Dulce não tem dúvidas e saca a arma e mata Miroel. A filha dele, Ticiana (Áurea Maranhão), acerta a matriarca dos Ramirez. Baleada, Dulce atira em Ticiana de volta, ouve de Vicente (Álamo Facó) – filho de Miroel – que as meninas estão vivas, mata o rapaz, espalha álcool na casa, atira numa lamparina para que a casa pegue fogo, monta numa carruagem, volta pra casa, conta o que aconteceu para o filho Ademir (Genézio de Barros) e para a nora Evelina (Nívea Maria) que as crianças estão vivas e – ufa! – somente aí morre. Dona Dulce mandaria muito bem no próximo filme de Os vingadores. Fica a dica, Marvel!
Coadjuvantes roubam a cena em A dona do pedaço
Depois do prólogo, Marcos Palmeira não teve muita chance ー Amadeu ficou em coma e só acordou há poucos capítulos. Juliana Paes não encontrou o tom certo de Maria da Paz, mas é interessante notar que ela rende mais em São Paulo e nas cenas mais leves. Isso acabou abrindo espaço para que os coadjuvantes brilhassem.
Mesmo sem a ajuda do autor Fernanda Montenegro deu show. Mas até aí é chover no molhado. Nívea Maria, Genézio de Barros, Luiz Carlos Vasconcelos e Jussara Freire (Nilda Matheus) foram muito bem no núcleo de Rio Vermelho. Em São Paulo, Suely Franco (Marlen) e Reynaldo Gianecchini (Régis) funcionaram muito bem. A dobradinha Marco Nanini e Tonico Pereira, como Eusébio e Chico, respectivamente, promete repetir o sucesso de A grande família, ainda mais com o reforço de Betty Faria (Cornélia). Mas eles têm que gritar menos! Parece que saíram de núcleos parecidos de Avenida Brasil e A regra do jogo, novelas dirigidas por Amora em 2012 e 2015, respectivamente.
A dona do pedaço entra, agora, na segunda e permanente fase. Aliás, a anterior e o prólogo teriam sido facilmente resolvidos com flashbacks, o que daria mais agilidade à trama. Embora não esteja longe de ser uma unanimidade de crítica, Walcyr Carrasco costuma agradar ao público. Elenco bom e experiente não falta ー o autor tem à disposição nomes como Nathalia Timberg, Rosamaria Murtinho, Rosi Campos, José de Abreu e Natália do Vale, entre outros.