A cena de abertura de Grand Army é a seguinte: um grupo de garotas, aparentando idades entre 15 e 16 anos, comemorando dentro de um vestiário. A capella, as meninas — que parecem ter acabado de terminar um jogo — cantam a música Bodak yellow, da rapper Cardi B. Andando entre os rostos contentes, a câmera, então, passa a seguir em direção aos banheiros reservados do local. Lá dentro estão duas garotas, enquanto uma está em pé sobre o vaso sanitário, outra tenta tirar uma camisinha usada de dentro da vagina da amiga. A missão é bem-sucedida, e ao regressar a cantoria das outras garotas, as duas parecem aliviadas.
Entre os nove episódios produzidos para a primeira temporada (disponíveis no catálogo da Netflix), a cena de abertura consegue fazer um bom resumo do que Grand Army propõe: polêmica, liberdade em relação à tabus, tensão adolescente, dramas adultos e uma visão catastrófica sobre sentimentos, abusos e opressões.
A série criada por Katie Cappiello (baseada na peça Slut: The play, da mesma autora) segue um grupo de jovens da escola pública de ensino médio Grand Army, no centro do Brooklyn, em Nova York. Lá, Joey (Odessa A’zion), Dom (Odley Jean), Sid (Amir Bageria), Jayson (Maliq Johnson) e Leila (Amalia Yoo) vão aprender que deram o primeiro passo para o mundo adulto.
Cuidado, o conteúdo abaixo contém spoiler!
Os cinco são os grandes protagonistas da série. A priori, Joey parece mais uma garota que vive sobre os privilégios da popularidade, da branquitude e da classe média em uma das maiores metrópoles do planeta. Segura e independente, a garota tem a vida destruída no episódio seis (Superman this shit) ao ser estuprada dentro de um táxi por dois dos três melhores amigos.
Outro que parece bem seguro e dono de si, Sid sofre por ter de esconder a própria sexualidade dos pais, e tem de aprender a crescer rápido, quando os parentes acabam o rejeitando por ser gay.
Como uma menina asiática criada nos Estados Unidos, Leila se sente só e longe de todos. A amargura com relação à própria identidade acaba levando a garota a caminhos egoístas e criminosos.
Tendo de trabalhar até quase largar a escola, Dom é uma daquelas garotas guerreiras e inteligentes, mas que se vê presa no preconceito social em relação à própria identidade: filha de imigrantes, negra e pobre.
Jayson, talvez o personagem mais complexo, tem como grande futuro a música ao tocar saxofone. Entretanto, a vida o fará “escolher” entre o melhor amigo, ou uma carreira brilhante.
Com as histórias e as agonias desses cinco adolescentes, Grand army tenta debater o quanto o mundo adolescente pode ser bombardeado por problemas adultos. Contando com pouco mais do que a própria força, Joey, Dom, Sid, Jayson e Leila debatem temas como abuso sexual, suicídio, aceitação, racismo, desigualdade social, terrorismo e o simples o ato de crescer.
De certa forma, a produção é um respiro ante aquelas clássicas histórias teen focadas essencialmente em relacionamentos e paixões. Os problemas e traumas em Grand Army são extremos e dolorosos, mostrando uma perspectiva mais real da vida de todo adolescente no século 21.
Não obstante, pesa contra Grand Army exatamente essa intensidade. Na imprensa estrangeira é fácil achar a comparação entre a produção da Netflix e Euphoria, da HBO. Um erro, já que a obra da concorrente capricha na subjetividade e na poesia, algo longe da aposta de Grand Army.
A intensidade das cenas de choro, briga, discussões pesam o andar de Grand Army, e mesmo que a proposta seja justamente esse excesso de drama, é complicado para a série se desenvolver (no sentido das histórias) sem um pouco de eventual resolução.
Em síntese, Grand Army merece uma chance de maratona — mesmo que esteja longe da popularidade. A história é forte e imponente, especialmente se vista pelo prisma teen, um gênero que sofre tanto pelas mãos da superficialidade (ainda mais na Netflix).
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