Atriz Glamour Garcia brilha como a Britney de A dona do pedaço. Em entrevista, ela comemora o momento da carreira e fala sobre representatividade
“Um momento maravilhoso”. Assim a atriz Glamour Garcia define o atual estágio da vida dela. A intérprete da transgênero Britney na novela A dona do pedaço comemora a representatividade trazida pelo personagem. “É mais produtivo quando as pessoas trans podem se representar na televisão”, opina Glamour, em entrevista ao Próximo Capítulo.
O drama de Britney é apresentado de forma leve, muitas vezes engraçada, especialmente quando as cenas são do relacionamento dela com o português Abel (Pedro Carvalho). Mas Galmour não acha que isso seja um aspecto negativo do personagem: “A comédia é uma das formas mais fortes de se criticar. A personagem da Britney é essencial.”
Na entrevista a seguir, Glamour lembra como entrou no elenco de A dona do pedaço, fala sobre preconceito e sobre o mercado de trabalho para os transgêneros. Confira!
Entrevista// Glamour Garcia
Como surgiu o convite para A dona do pedaço?
Por meio da minha agência, eu recebi um convite do Walcyr Carrasco para fazer um teste. Depois, fiquei uma semana num workshop num trabalho criativo na Globo São Paulo. Daí, em janeiro, finalmente eu recebi o convite. Foi uma alegria gigantesca em minha vida, um momento maravilhoso.
Qual é a importância de a Britney ser representada por uma atriz trans?
É mais do que importante. É super representativo. Não é só representação, é tornar as coisas concretas. A atuação é uma arte que extrapola as questões de gênero. Mas eu também acho que o audiovisual ー o cinema e a tevê ー tem um espaço de criação, então é justo. Mas é mais produtivo quando as pessoas trans podem se representar na televisão.
A dona do pedaço tratou da questão da transexualidade da Britney com humor num primeiro momento. Ainda é preciso “quebrar esse gelo” com o público dessa forma? Isso te incomoda de alguma forma?
Não me incomoda de forma alguma. Acho muito importante que tenha essa abordagem, principalmente neste momento em que o cenário político no Brasil está muito pesado, especialmente para a comunidade LGBT. E a comédia é uma das formas mais fortes de se criticar. A personagem da Britney é essencial.
Como está sendo a reação do público à personagem?
A reação tem sido maravilhosa. Eu tenho recebido um carinho muito grande do público, de todas as faixas etárias, de todas as orientações, de todas as cores. Tem sido incrível e isso é muito importante para que eu possa continuar o meu trabalho artístico.
Foi anunciado que novela tem também um casal homoafetivo. Como vê esse aumento da representatividade na ficção brasileira?
A questão da homoafetividade é bem complexa, mas tem sido mais discutida dentro da sociedade brasileira, mas ainda tem muito preconceito. Muito! Eu não sei como vai se dar essa questão da homoafetividade na trama de A dona do pedaço em si. Ainda tem muitas especulações. Mas com certeza vem polêmica e vem da melhor forma possível porque na polêmica a gente pode aprender.
Isso acaba refletindo no respeito ou na quebra de preconceito fora da tela?
Eu acho que sim. Toda a sociedade ganha quando quando personagens como esses aparecem. Tem, sim, um lado didático, uma preocupação em elucidar que está havendo, sim, uma restituição de direitos das pessoas trans. É interessante vermos essa temática, essa discussão numa novela, ainda mais de uma forma positiva e construtiva como vem sendo em A dona do pedaço.
Não tem 10 anos que tivemos o primeiro beijo entre dois homens em Amor à vida e a primeira cena de sexo entre homens em Liberdade liberdade. Estamos caminhando para um cenário mais amigável, com mais representatividade?
Eu pessoalmente espero que sim. Não somente pela representatividade no sentido de direitos iguais, mas pela profusão e pela representação do que é a própria sociedade brasileira, uma sociedade tão mista, tão ampla, tão cheia de possibilidades e todos nós temos direito à cidadania. Se sentir representado também na arte é de extrema importância.
A Britney logo consegue um emprego quando volta a São Paulo. Qual é a importância de mostrar a meninos e meninas trans que é possível ingressar no mercado de trabalho?
É uma importância muito grande. Mas eu não sou hipócrita em dizer que é mais fácil ou igual. Não é. Para as pessoas trans é muito mais difícil a inclusão no mercado de trabalho. Por isso essa temática está sendo abordada nesse momento: para que a gente possa forçar a compreensão da sociedade de que as pessoas trans obviamente têm direito de trabalhar, têm o direito de se manter e de desenvolver como cidadão na sociedade sem ser dependente de qualquer forma familiar, de qualquer forma governamental. A pessoa tem que conseguir trabalhar, tem que conseguir se inserir na sociedade de uma forma digna, através da capacidade profissional dela.
Você chegou a ter dificuldades nesse sentido?
Eu sou de uma geração diferente e sou artista de muitas interfaces da arte: cinema, televisão, literatura, performance, dança… Isso tudo fez com que eu corresse atrás de contatos, de ampliar essa rede de apoio profissional e de estar sempre trabalhando como artista. Mas a gente sabe que inclusão das pessoas trans no mercado de trabalho é muito difícil e, para mim, também foi muito difícil chegar ao atual momento, um momento formal. É difícil você conseguir formalizar um emprego sendo trans e sendo artista no Brasil. Sempre querem colocar a gente num espaço informal.